Fernando Haddad, candidato presidencial no Brasil que perdeu a eleição para Jair Bolsonaro, deu uma entrevista à TSF três meses depois da derrota.
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Candidato presidencial no Brasil com 47 milhões de votos, ex-ministro da Educação e antigo autarca de São Paulo, Fernando Haddad vê no governo Bolsonaro ameaças às liberdades, perda de direitos, alinhamento cego com os Estados Unidos e peso excessivo dos militares.
"Ex" na corrida presidencial, "Ex" no governo e "Ex" na prefeitura de São Paulo, ser professor universitário não é coisa do passado para Fernando Haddad. Em meados do próximo mês volta às aulas de administração e gestão pública.
A TSF começou por perguntar ao homem derrotado por Jair Bolsonaro se ainda lhe pesa muito saber que não está a tratar de assuntos de gestão pública a partir do Palácio do Planalto: "obviamente que eu gostaria de ter ganhado a eleição, mas eu sinto-me extremamente confortável na posição que ocupo. O meu ofício é o de professor. A política é uma excecionalidade". Contorna a ideia de que o facto de estar de visita a Portugal, poderá significar que o futuro da liderança do PT passa por ele: "como cidadão, estou bastante preocupado com a ascensão da extrema-direita. Nós entendemos que há um risco real de crescimento da intolerância no mundo e do crescimento das desigualdades económicas".
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Diz que a liberdade depende dessas duas condições: "mais igualdade económica e mais diversidade cultural". O antigo ministro da Educação dos governos Lula não tem dúvidas: "a liberdade está ameaçada, inclusive na Europa". Vindo de Espanha, acompanhado pelo ex-ministro da Justiça e antigo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, Fernando Haddad admite que o crescimento e financiamento externo de um partido radical como o Vox, lhe "causa apreensão". Em nome de valores como a liberdade e a democracia, está disponível para ser um dos protagonistas da oposição ao atual governo brasileiro: "Claramente!"
Defende uma oposição que seja melhor que um governo com uma "agenda regressiva", dizendo que há um espaço para atuar em matéria "de expansão e ampliação de direitos" que estão a ser atacados, desde os povos indígenas aos movimentos sociais, "com uma legislação que equipara os dirigentes de movimentos sociais populares a terroristas" pelo governo Bolsonaro.
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Lembrando que os brasileiros, tradicionalmente, nunca seguiram de forma cega os Estados Unidos, Haddad considera esse atual alinhamento como estando "em dissonância com o que tem sido o papel do Brasil, de promotor da paz no concerto das nações".
O antigo prefeito de São Paulo considera que "Trump tem uma política que não dialoga com a tradição diplomática brasileira". Na estreia de Bolsonaro no Fórum de Davos, Haddad lamenta os passos mais recentes que foram dados: "o Brasil já saiu do Pacto das Migrações, ameaçou sair dos Acordos de Paris e vem falando em instalar uma base militar americana em território nacional", para além do anúncio, com data incerta ainda, "da transferência da embaixada de Telavive para Jerusalém".
"São tensões que causam apreensão", remata, na entrevista que deu nos estúdios da TSF em Lisboa, assumindo que há uma "legítima apreensão com a Venezuela" no mundo, não confirmando se teria ido à posse de Nicolás Maduro caso fosse presidente do PT ou do Brasil, mas reiterando que o país tudo deve fazer para "ajudar o povo venezuelano a reencontrar o caminho do fortalecimento das instituições democráticas"; o que implica, na ótica do homem que sucedeu a Lula da Silva na corrida presidencial de 2018, "manter um certo distanciamento, inclusive para falar com a oposição".
Convicto, diz que "se o Brasil tivesse seguido as recomendações das Nações Unidas e permitido ao presidente Lula disputar a eleição, tenho quase a certeza que o presidente Lula ganharia". Recorda que tendo feito apenas quarenta dias de campanha, chegou a 45% dos votos apesar de ter sido vítima da "maior onda de fake news na história do país. O whatsapp ontem anunciou que vai tomar as providências que foram pedidas por nós antes das eleições para evitar a disseminação de calúnias pelas redes sociais". Ou seja, a aplicação de impacto global fez aquilo que tinha dito às autoridades brasileiras não ter condições técnicas para fazer.
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Continua a defender Lula da Silva, garantindo que, após ter lido o processo de uma ponta à outra, até por ter sido advogado do antigo presidente: "sinceramente não consigo compreender com base em quê o presidente Lula foi condenado. Nós estamos há uma semana com um escândalo envolvendo o filho do Bolsonaro (um caso de património imobiliário e depósitos avultados na conta bancária do senador eleito Flávio Bolsonaro) e as evidências contra ele são muito mais eloquentes do que tudo o que se reuniu contra o presidente Lula até agora".
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No passado dia 15, Jair Bolsonaro aprovou um decreto que flexibiliza as restrições ao acesso a armas. O presidente da república do Brasil defende que o acesso a armas vai tornar mais fácil para as mulheres defenderem-se de parceiros abusadores e vai ser mais fácil aos comerciantes defenderem a sua propriedade. Haddad questiona: "onde estão as evidências científicas? Os estudos científicos vão todos na direção oposta. Arma dentro de casa é fonte de violência doméstica e não fonte de defesa contra invasores". E garante: "o Brasil vai na contramão do que as evidências científicas indicam".
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Em causa, no Brasil dirigido por Bolsonaro, pode estar a privatização da segurança pública do Brasil, retirando o estado do seu "papel de oferecer um serviço público de segurança aos cidadãos". Defende uma reforma do sistema e uma atuação mais presente do governo federal e da polícia federal. Mas não do exército? "Não do exército que não está preparado para isso". Terá este governo militares a mais? "Não sou contra a presença de militares no governo, mas está ficando excessiva", conclui.
Identifica no governo Bolsonaro "um núcleo obscurantista-fundamentalista, formado pela Ministra da Educação, Família, Relações Exteriores, Meio Ambiente, são quatro áreas que preocupam em função de uma postura anticientífica", trazendo angústia "para a comunidade científica, para as mulheres e para os negros, para a comunidade LGBT, para os ambientalistas". Depois há o núcleo neoliberal, formado pelos Chicago Olds, do superministro Paulo Guedes, com uma política "de venda de património público, desregulamentação radical da economia, inclusive a camada de proteção dos trabalhadores e depois há um núcleo composto pelos militares e pelo ministério da justiça, que funcionam como uma espécie de poder tutelar sobre o próprio governo". Face a este cenário, "os democratas estão preocupados com os direitos civis, políticos, sociais, ambientais", defendendo uma união do centro e centro esquerda, para refrear "essa onda conservadora de restrição das liberdades e dos direitos".
Leia a entrevista na íntegra aqui
*com José Guerreiro, Ana António e Gerardo Santos