Glória a Hong Kong: uma canção feita hino de resistência e a tentativa de censura
Tak Fong é um jornalista de rádio. Participa na campanha internacional que visa contrariar a tentativa de censura da música "Glory to Hong Kong", por parte das autoridades chinesas de Hong Kong.
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É jornalista desde 1993 e atualmente é editor de um meio de comunicação estrangeiro. Por razões de segurança, Tak Fong prefere manter em segredo qual esse meio, bem como o local onde vive. Participa na campanha internacional que visa contrariar a tentativa de censura da música "Glory to Hong Kong", por parte das autoridades locais nesta região administrativa especial da República Popular da China. Entrevista na TSF.
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Porque é que uma canção é uma ameaça à segurança nacional?
Não percebo muito bem do ponto de vista das pessoas, mas talvez do ponto de vista dos ditadores, eles acreditem que a canção pode disseminar as ideias de pensamento independente e promover mais democracia. É disso que têm medo.
Um juiz de Hong Kong, Wilson Chan, do Tribunal Superior de Hong Kong, adiou esta segunda-feira a decisão sobre uma petição para proibir a distribuição online dessa popular canção de protesto pró-democracia, num caso que pode pôr em causa a forma como as empresas tecnológicas operam no território chinês. Depois de pedir ao governo para ser mais específico sobre a amplitude do pedido, o juiz marcou uma nova audiência para 21 de julho... Portanto, o caso vai continuar... Qual é o seu comentário sobre isto?
Bem, é muito interessante, porque o dia 21 de julho marca também o aniversário de um ataque brutal de alguns mafiosos em Hong Kong, contra os manifestantes, há quatro anos.
Então, acha que foi adiado para esse dia específico para que as autoridades pudessem dar um sinal?
Não tenho a certeza. Há algumas teorias. Uma teoria é que se trata de uma pura coincidência. Mas outra teoria é que algumas pessoas no ramo judicial estão a tentar enviar subtilmente uma mensagem de que não concordam com esta proibição.
A canção Glory to Hong Kong tornou-se o termo mais procurado no motor de busca Google para "hino nacional de Hong Kong" e foi mesmo utilizada por engano em competições desportivas internacionais, como o Campeonato Mundial de Hóquei no Gelo, em vez do hino da China... Segundo o governo, a canção "causou não só uma ofensa ao hino original, mas também graves danos ao país e a Hong Kong". Quais são as suas expectativas em relação a esta campanha internacional para que esta canção seja tocada nas rádios e na internet?
Bem, eu acho que... deixe-me pôr as coisas desta forma: o aniversário das manifestações de Hong ou dos protestos de Hong Kong em 2019, não é apenas uma questão de Hong Kong, mas pode associar-se a todos os países, especialmente a Portugal, de muitas maneiras.
Porquê?
Porque, na verdade, o que Hong Kong está a enfrentar, o desafio que Hong Kong está a enfrentar hoje, pode ser um dia o desafio de Portugal. Quando Hong Kong foi entregue pela primeira vez à soberania chinesa em 1997, ou seja, há mais de 20 anos, o Partido Comunista Chinês prometeu muita autonomia ao povo de Hong Kong, prometeu mesmo que haveria uma eleição universal, uma eleição genuína para o povo de Hong Kong eleger o seu chefe do executivo e os membros do legislativo.
Isso fazia parte do acordo feito com os britânicos e com o último governador Chris Patton?
Está preto no branco na Lei Básica de Hong Kong, a constituição, mas o governo chinês acabou por engolir essas palavras e essa promessa nunca se concretizou. Mas o que estou a tentar dizer é que, no caso de Portugal, em primeiro lugar, o governo chinês fez muitas promessas, como "vamos investir de muitas maneiras, como a Iniciativa Belt and Road", como, por exemplo, há alguns anos, uma empresa chinesa comprou a maior empresa de eletricidade, em Portugal, a EDP. À primeira vista, parece inofensivo. Mas, no fim, quando tiverem uma palavra a dizer, quando se tornarem cada vez mais influentes na economia de Portugal, chegará o dia da coerção económica e política. Foi exatamente isso que aconteceu em Hong Kong. No início, o governo chinês prometeu a Hong Kong um elevado grau de autonomia e prometeu que haveria um país com dois sistemas. Mas, finalmente, agora tudo desapareceu. Há apenas um país e um sistema.
Compara a situação de Hong Kong com a de Macau?
Sim, de facto, a situação de Hong Kong e de Macau é bastante semelhante, diria eu.
O objetivo das autoridades de Hong Kong é "impedir que a canção seja difundida ou executada com a intenção de incitar outros à secessão ou para fins sediciosos", afirmou o Departamento de Justiça num comunicado. O governo também pretende "impedir que a canção seja transmitida ou executada como hino nacional de Hong Kong com a intenção de insultar o hino oficial", bem como "salvaguardar a segurança nacional e preservar a dignidade do hino" da China. Qual é o seu comentário sobre a razoabilidade destes argumentos?
Bem, eu digo: se eles tiverem realmente um verdadeiro respeito pela liberdade de expressão, não estariam tão...
Preocupados?
Sim. Não seriam tão pesados a... a tentar controlar uma canção. Isto é apenas uma canção, por amor de Deus.
O caso desta segunda-feira não foi apresentado formalmente ao abrigo da Lei de Segurança Nacional. Mas o governo citou esta lei na semana passada como uma razão pela qual o tribunal deveria conceder o seu pedido com a Lei de Segurança Nacional. Na sua opinião, o governo de Hong Kong está cada vez mais a tentar suprimir a dissidência e a liberdade de expressão?
Sim, é verdade. O governo de Hong Kong tornou-se cada vez mais draconiano, como deve ter notado, prendeu políticos do campo pró-democrático e também prendeu jornalistas que criticam o governo e está a planear introduzir outra lei que vai apertar ainda mais as garras da tecnologia sobre a chamada segurança nacional.
Então, isto é também uma questão de tensão entre as empresas tecnológicas e as autoridades de Hong Kong? O Wall Street Journal acaba de dizer que os gigantes tecnológicos americanos estão a cortar lentamente o acesso dos utilizadores da Internet de Hong Kong...
Claro que, devido a este incidente da canção "Glória a Hong Kong", o governo de Hong Kong está a afastar-se ainda mais dos gigantes tecnológicos internacionais. E isso pode possivelmente prejudicar o estatuto de centro comercial internacional da China, porque se o Google ou o YouTube não puderem ser usados em Hong Kong, então Hong Kong tornar-se-á apenas mais uma cidade da China continental.
Os pedidos do governo para retirar conteúdos da Internet aumentaram tremendamente desde que a Lei de Segurança Nacional foi aprovada. As autoridades de Hong Kong solicitaram a remoção de 183 itens de serviços como o YouTube e de pesquisa do Google no segundo semestre de 2022, um pico de 10 anos, de acordo com o Google. A empresa recusou cerca de metade desses pedidos, o que significa - e essa é a minha pergunta - ... porque é que aceitou os outros 50%?
Bem, não sei bem porque é que a Google decidiu fazer isso, mas não devia, porque a Google é suposto ser uma plataforma onde toda a gente pode expressar livremente o seu ponto de vista e criar e divulgar livremente a música que gostaria sem qualquer medo ou sem quaisquer limites, exceto no que é um verdadeiro desafio a alguns princípios bastante básicos, como, por exemplo, a tentar encorajar as pessoas a cometer suicídio ou algo do género. Não podes fazer isso. Correto. Mas, tirando essas poucas exceções, temos de aceitar que as pessoas têm uma plataforma onde podem expressar livremente a sua opinião.
Tak, foi esta atmosfera política em Hong Kong que o fez decidir deixar o país?
Sim, foi. Porque, na altura em que estava a sair de Hong Kong, vários jornalistas que conhecia estavam a ser detidos e colocados na cadeia.
Tem esperança de voltar?
Não num futuro próximo...
Porque não está a ver nenhuma mudança a acontecer no futuro próximo?
Sim, não estou a ver nenhuma mudança no futuro próximo, exceto se houver uma mudança drástica na China. Aí, talvez volte.
Quais seriam as condições para que essa mudança drástica acontecesse?
Acho que, para começar, o presidente Xi Jinping tem de ser demitido antes de poderem ocorrer quaisquer mudanças drásticas.
Mas ele tem um mandato vitalício...
Sim, ele tem um mandato vitalício. Portanto, isso é bastante improvável.
Como vê a posição chinesa em relação à guerra na Ucrânia?
Bem, penso que a posição chinesa é obviamente injusta, porque exigiram que a Ucrânia aceitasse ceder algum território à Rússia, apesar da ocupação e invasão russa. Essa invasão é injusta e penso que a chamada mediação da China não é realmente justa.