Especialista alerta para a desconfiança que os militares geraram nos protestantes e reconhece que pode não existir uma "verdadeira mudança" em relação ao regime.
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O Sudão vive um dia histórico após a queda al-Bashir, mas ainda é cedo para conhecer o rumo que o país vai seguir após a queda do presidente. Meses de contestação culminaram na deposição do presidente e, esta manhã, as ruas da capital Karthoum ficaram repletas de pessoas que celebravam, mas a festa não durou muito: os golpistas anunciaram que só daqui a dois anos é que serão realizadas eleições e a celebração passou a protesto.
A professora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Daniela Nascimento, alerta que só o tempo poderá dizer se a saída de al-Bashir do poder será suficiente para acalmar os manifestantes ou se a mudança tem de ser mais radical.
"Não me parece que seja linear este processo no sentido de uma transição pacífica. Os manifestantes já vieram demonstrar a sua relutância e dúvidas" em relação ao afastamento do presidente, explica. Perante este cenário, os manifestantes também "não se alinharam nem se mostraram favoráveis aos militares que tomaram o poder".
Daniela Nascimento alerta que poderá ter ocorrido "uma reciclagem dos elementos que agora assumem o poder", não existindo uma "verdadeira mudança" em relação ao regime anterior.
O Tribunal Penal Internacional já fez saber que quer julgar o presidente sudanês agora deposto, mas surge agora um outro problema: os golpistas, admite a especialista, podem não estar interessados em entregar al-Bashir.
"Enquanto não for clara a posição e o compromisso destes militares relativamente ao seu papel no futuro do Sudão, numa transição democrática, na Justiça e nas garantias fundamentais", a opção pode passar por manter o agora ex-presidente preso no país.
Além disto, caso "queiram promover algum tipo de responsabilização, podem recorrer aos tribunais nacionais", algo que o próprio al-Bashir fez quando foi indiciado, com outros membros do Governo, por crimes contra a Humanidade.
"O que fizeram foi julgar, nos tribunais nacionais, alguns dos alegados responsáveis pelos crimes cometidos", numa demonstração da existência da justiça nacional, de forma a dizer que não precisavam da justiça internacional.
O anúncio da destituição e detenção de Omar al-Bashir foi feito esta tarde pelo ministro da Defesa sudanês, através da televisão pública do país.
A Comissão Europeia já disse estar a acompanhar, no terreno, esta situação e pede "uma "transição política pacífica" sem recorrer "a qualquer forma de violência".
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