Juan Carlos I, o grande ausente das celebrações dos 50 anos da monarquia espanhola
Autora: Joana Rei
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O rei emérito vive desde 2020 em Abu Dhabi e foi afastado da família real depois de ter sido investigado por vários delitos fiscais. A celebração da sua coroação faz-se sem a sua presença.
Espanha celebra os 50 anos da monarquia sem a presença de Juan Carlos I. O rei emérito, coroado em 1975, após a morte de Franco, e que devia ser o protagonista nesta celebração, vai ter um papel discreto. Esta sexta-feira, Felipe VI faz um discurso numa cerimónia de entrega de condecorações a figuras-chave da Transição e, no sábado, num evento estritamente familiar, Juan Carlos poderá almoçar com a família real numa celebração privada.
As celebrações ocorrem no meio da polémica gerada pela publicação das suas memórias que não foram bem recebidas pela Casa Real. O livro, que só sai à venda em Espanha em dezembro, precisamente para esquivar o aniversário da monarquia, já foi publicado em França. Nele, Juan Carlos fala da morte do irmão quando viviam no Estoril, da proximidade com Franco e do seu afastamento da Casa Real.
Sem assumir culpas próprias, Juan Carlos diz sentir-se renegado por Felipe VI e reivindica o seu papel na construção da democracia espanhola. "A democracia não caiu do céu", diz no livro. "É a obra da minha vida, que eu construí, com todas as minhas forças e que desejo explicar e defender."
Apesar da exaltação democrática, Juan Carlos também diz que jamais permitiu que criticassem Franco na sua presença e que "admirava a sua inteligência e o seu sentido político".
"Nos seus últimos momentos", escreve no livro, "agarrou-me na mão e disse-me: "Alteza, só lhe peço que mantenha a unidade de Espanha." Não me pediu que mantivesse o regime. Senti que me deu liberdade para agir".

Juan Carlos I não fala dos delitos fiscais de que foi acusado, confessa que espera um dia poder voltar a Espanha. "O que mais desejo é voltar a ter uma relação de harmonia com o meu filho e regressar a casa, a Espanha", diz no livro.
Vive em Abu Dhabi, numa mansão de 11 milhões de euros, desde 2020, após ter sido investigado por fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Em causa estavam supostas comissões recebidas por Juan Carlos I no negócio que envolvia o comboio de alta velocidade entre Medina e Meca na Arábia Saudita.
O rei acabou por não ser condenado por nenhum dos delitos, devido à regularização fiscal de uns, a prescrição de outros e porque a imunidade que lhe garantia o posto impediu que a investigação avançasse. Mas, apesar de não haver sentença, o rei foi afastado da família real e refugiou-se em Abu Dhabi. A Espanha regressa apenas em muito poucas ocasiões.
Naquela ocasião, o rei Felipe VI renunciou à sua herança e decidiu afastar o pai da família real. Juan Carlos I aborda o assunto no livro, com mágoa, acusa Felipe VI de "ter derrubado todas as pontes" e de o ter "afastado das netas, Sofia e Leonor" e, com alguma dose de ironia, diz que a sua herança é algo a que Felipe VI nunca poderá renunciar.
"Nunca te esqueças de que herdas um sistema político que eu construí", sublinha no livro. "Podes excluir-me no plano pessoal e financeiro, mas não podes recusar a herança institucional sobre a qual descansas. Entre as duas, só há um passo."
O livro Reconciliação fala ainda dos escândalos amorosos que envolveram o rei, nomeadamente o caso com Corinna Larsen, a alemã que denunciou ter recebido cerca de 65 milhões de dólares do rei, que depois Juan Carlos tentou reaver.
"Tive dois deslizes sentimentais e um deles veio a público. Foi instrumentalizado de forma hábil e teve graves consequências no meu reinado. Arrependo-me amargamente dessa relação. Foi um erro que manchou a minha reputação perante os espanhóis", diz.
No livro há ainda uma palavra para Sofia, a rainha emérita, uma mulher "excecional" e uma rainha "irrepreensível e devota".
As palavras mais duras foram guardadas para o Governo de Pedro Sánchez, a quem acusa de ter "orquestrado uma caça de bruxas" contra ele. "O Governo transformava as investigações jurídicas num julgamento moral que afetou o meu reinado e a minha ação política", acusa.
