São lugares em dificuldades que concentram milhares de animais, mas o risco de constituírem uma fonte de transmissão do novo coronavírus é mínimo. Investigadores concluem que o principal gatilho das pandemias é o contacto de espécies selvagens com os seres humanos.
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Num intervalo de meses, a pandemia de Covid-19 fez surgir lampejos de consciência sobre a forma como o ser humano se relaciona enquanto espécie, e ameaça também alterar a convivência com os restantes animais. O novo coronavírus obrigou a Humanidade a olhar de soslaio para a realidade dos mercados vivos, onde várias formas de vida partilham o espaço com prejuízo de um cuidado maior das condições de higiene.
Também os animais, a que a população das cidades tinha acesso por meio de visitas a parques e zoológicos, foram segregados numa espécie de confinamento que não dispensou as habituais desinfeções, limpeza de espaços e alimentação. Agora, depois de reabertos os portões, os cientistas que no início de abril evidenciaram a relação do surgimento de mais surtos com a convivência forçada entre animais selvagens e humanos fazem questão de garantir que os jardins zoológicos são lugares à prova de pandemia. "Para espécies ameaçadas de grandes mamíferos, especialmente primatas, o risco de serem infetados por pessoas que transportem agentes patogénicos é maior", garante à TSF Sadie J. Ryan, professora de Geografia Médica da Universidade da Florida.
O argumento é suportado pela história de Nadia, o tigre malaio de quatro anos infetado em abril com o novo coronavírus no jardim zoológico do Bronx, em Nova Iorque. O felino terá sido contagiado por um guarda assintomático para a Covid-19. Também no Zoológico de Lisboa, onde vivem dois mil animais de 300 espécies, os tratadores continuaram a entrar para, com máscaras e luvas, assegurarem alimentos e limpeza dos espaços aos residentes. Exemplos similares são encontrados no Badoka Safari Park , em Santiago do Cacém, e no Zoo de Santo Inácio , em Vila Nova de Gaia.
Ainda assim, há motivos para que os visitantes se preocupem com eventuais contágios de doenças zoonóticas (transmitidas por animais)? "É uma boa pergunta, mas não conheço nenhuma doença desse tipo que tenha sido originada num zoológico, provavelmente porque as condições de higiene são bastante superiores às dos mercados vivos, por exemplo", afiança Eric Lambin, professor de Ciência do Sistema Terra da Universidade de Stanford, à TSF.
Christine Kreuder Johnson, professora de Epidemiologia e Ecossistema de Saúde na Universidade da Califórnia, concorda: "Os zoos têm em geral excelentes cuidados veterinários e biossegurança, o que mitiga as possibilidades de ali surgirem doenças zoonóticas." A experiência que Sadie J. Ryan acumulou ao longo dos anos prova que "os jardins zoológicos que são bem geridos, alinhados com as normas internacionais e com licenças, acompanharão com diligência a saúde dos seus animais, especialmente se ocorrerem casos de infeção".
"Por exemplo, todos os zoos, jardins e parques aquáticos abrangidos pela Associação Zoológica norte-americana (AZA) estão capacitados para lidar com um problema como estes", refere ainda a investigadora Sadie J. Ryan, depois de ter estudado "algumas doenças zoonóticas" e de ter "questionado e compreendido que os profissionais da AZA estavam preparados para dar resposta a possíveis surtos".
O incumprimento da regulamentação por parte de jardins zoológicos indicaria, de acordo com professora de Geografia Médica da Universidade da Florida, que "as formas selvagens de vida foram conseguidas ilegalmente", e o "tráfico ilegal de vida selvagem é responsável pela disseminação de doenças, entre as quais algumas que afetam seres humanos". Esta não é, contudo, a regra, antes uma exceção que Sadie J. Ryan pouco testemunha.
A pandemia tem aberto as portas invisíveis do espaço urbano a várias espécies antes estrangeiras e os zoológicos foram obrigados a encerrar até ao início deste mês. É o momento para repensar estes lugares, reflete a associação ambientalista Zero, em resposta à TSF. "Os espaços de visitação de animais devem constituir-se como centros de reprodução de espécies ameaçadas para aumentar os esforços de reintrodução e reforços populacionais, parte integrante de reabilitação de ecossistemas", argumenta a Zero.