Autor tinha 94 anos e foi vítima de doença prolongada.
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O escritor Milan Kundera morreu esta terça-feira aos 94 anos no seu apartamento de Paris, avançou a Biblioteca do Estado da Morávia, onde está grande parte do arquivo pessoal do autor.
"Infelizmente posso confirmar que o senhor Milan Kundera morreu ontem (terça-feira) após doença prolongada", disse à France-Presse a porta-voz da biblioteca, Anna Mrazova.
Nascido a 1 de abril de 1929 em Brnö, na antiga Checoeslováquia, estava exilado em Paris desde 1975 e tinha nacionalidade francesa desde 1981. Essa foi a única que teve entre esse ano e 2019, quando recuperou a cidadania checa que lhe fora retirada em 1979.
É o autor de obras como "A Insustentável Leveza do Ser" - tida como a sua maior e transformada em cinema em 1988 -, "A Brincadeira" ou "A Identidade" e dedicou-se a géneros literários como o romance, o ensaio e a poesia, sendo considerado um dos mais importantes escritores do século XX.
Recebeu, entre outros, os prémios Médicis (1973), Mondello (1978), Common Wealth (1981), Jerusalém (1985) e o Independent de Literatura Estrangeira (1991).
Neste mês de julho, a Dom Quixote editou em Portugal "Um ocidente sequestrado ou a tragédia da Europa Central", um pequeno livro de Kundera, publicado pela primeira vez em França em 2021, e que segundo a editora é extremamente atual na reflexão sobre a Europa em construção.
"Vai-nos fazer muita falta"
"É um ensaio que nos obriga e que nos leva a refletir sobre a Europa que estamos a construir e os fundamentos desta Europa. É um livro que tem dois textos que foram escritos antes da queda do Muro [de Berlim]: um é o discurso que o Kundera disse no Congresso dos Escritores da Checoslováquia, em 1967, pouco antes da invasão das tropas do Pacto de Varsóvia, e outro é um artigo publicado na revista Le Débat em 1983, quando o Kundera já vivia em Paris", explicou à TSF a editora Cecília Andrade.
O tradutor desta obra, João Duarte Rodrigues, detalhou na TSF que estas são "duas peças bastante importantes na vida do Kundera como escritor, mas não como escritor de ficção", porque o autor, "como todos os grandes escritores, é muito premonitório acerca da vida social e do que se pode passar".
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O tradutor chegou a visitar Kundera na casa deste em Paris, na altura acompanhado por Manuel Valente quando ambos estavam na editora ASA, para uma conversa sobre um livro que "era uma exceção porque não foi publicado pela Dom Quixote originalmente".
João Duarte Rodrigues conta que foram "muito bem" recebidos, tanto pelo escritor como pela mulher Vera Kundera, "muito simpática, aguerrida quanto ao trabalho do marido, digamos, e lutando pelo prestígio do trabalho dele".
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Ambos foram "amabilíssimos" e, para o tradutor, "Kundera era um homem que podia ser Prémio Nobel um dia, com certa facilidade, mas afinal isso não ocorreu".
A mesma amabilidade do casal Kundera é confirmada por Cecília Andrade que, embora nunca os tenha visitado, correspondeu-se "por vezes" com ambos.
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Milan "era um homem "reservado, que preservava muito a sua privacidade e tinha deixado de dar entrevistas há muito tempo".
"Sempre muito amável e sempre muito gentil", Kundera "refletia muito sobre o nosso tempo, tanto que alguns dos seus livros mais recentes eram reflexões sobre o nosso tempo, como um livro que ele publicou, que é 'Um Encontro' (2011)", conta a editora, que confessou que o autor "vai-nos fazer muita falta".
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"Eu acreditava que ele ainda fosse ter o Prémio Nobel, porque era apontado por muitos como um possível candidato, infelizmente não aconteceu", lamentou à TSF, notando que "A Insustentável Leveza do Ser" é uma obra que "tem acompanhado sucessivas gerações de leitores".
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Sinal "muito interessante" disso é o que notou na mais recente Feira do Livro, onde "muitos jovens" procuraram aquela que é uma das publicações "mais importantes do século XX".