Negócio das armas em crescimento num Brasil que parece não querer assim tanto
A matemática nem sempre é clara: negócio das armas no Brasil tem aumentado, há mais armas em circulação, mas Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que mais de 75% da população não é favorável.
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No meio de um corredor, num quarto andar de um prédio espelhado no centro de Nova Iguaçu, estado do Rio de Janeiro, fica a loja, o armazém e o consultório de psicologia do grupo Mil Armas. Marcelo Costa, um ex-polícia que também foi candidato a deputado estadual, desde sempre se interessou pelas armas e viu o negócio florescer nos últimos tempos.
"Não tenha dúvidas de que no seu governo, ele deu um acesso maior dos cidadãos às armas. Consequentemente, as lojas tiveram procura maior e a indústria vendeu muito mais, isto tudo por ter sido fomentado pelo nosso presidente Jair Bolsonaro", comenta à TSF o empresário que tem vindo a fazer crescer o número de espaços comerciais de venda de armas e também de prática de tiro.
Não revelando os números de vendas, dá para perceber pela quantidade de caixas de armas que estão reservadas que o negócio vai de vento em popa e, no perfil de cliente, "pasmem-se, cada vez mais mulheres". Já sobre a saída de armas, é a pistola quem desperta mais interesse.
No top das vendas, estão o calibre 40, 45 e 9mm e os preços estão em média entre os 5 e os 17 mil reais, ou seja, grosso modo entre os mil e os 3 mil e 500 euros. Além do dinheiro, é preciso também autorização e aí há duas maneiras: uma feita através da polícia federal e outra pelo Exército, dependendo se for para defesa pessoal ou para caçadores, atiradores e colecionadores.
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E para todos aqueles que são críticos vem o argumento de que arma não é para matar. "O nosso propósito é levar ao conhecimento, até daquelas pessoas que não conhecem muito da área, que a arma não foi feita para matar, foi feita para se defender", começa por dizer Marcelo Costa atrás do balcão da loja que tem em exposição várias espingardas.
Além disso, o importante para Marcelo Costa é que as pessoas tenham acesso às armas, "quem não quiser comprar, não vai lá e não compra".
"Tem de permitir ao cidadão que tenha essa proteção dentro de casa. Se, por ventura, o inimigo pular o muro dele, ele tem como se defender. Jamais colocar uma arma na mão de um cidadão para atirar ou matar A, B ou C", destaca o empresário de Nova Iguaçu.
Sendo este um tema também da campanha e com posições antagónicas por parte dos dois candidatos, Marcelo Costa tem um desejo bem claro e óbvio: a vitória de Jair Bolsonaro. De resto, nas instalações do Mil Armas foi possível até ver alguma da propaganda eleitoral do candidato.
"Estamos a torcer para que o nosso presidente Jair Bolsonaro seja reeleito. Também é sabido que o candidato Luís Inácio Lula da Silva é contra a arma, espero que não seja eleito e, se eleito for, espero que ele mude de opinião. Talvez até por ele não ter tido acesso às armas, ele tem de estar preocupado com outras situações como, por exemplo, tratar do processo criminal dele", ironiza.
Mas será que os brasileiros querem assim tanto as armas?
Já em São Paulo, o diretor e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública não podia ter uma visão mais diferente da de Marcelo. O também sociólogo e professor, Renato Sérgio de Lima, começa por lembrar que existe "mais de um milhão de novas armas em circulação" e que elas ainda não foram suficientes para "retomar o ritmo das mortes" que estava numa trajetória descendente há alguns anos, mas essa quantidade de armas "já travou a queda". "Essa queda já começa a enfrentar o desafio porque essas armas estão nas mãos das pessoas", diz o investigador.
Depois, há o facto de a população parecer não querer assim tanto e Renato escuda-se nos números e no trabalho científico: "Quando a gente faz pesquisa de opinião, vemos que mais de 75% da população é contra o armamento."
Para Renato Sérgio de Lima, o problema está na extrema-direita brasileira a que ele chama de "grupo muito barulhento nas redes sociais que parece ser muito maior do que ele verdadeiramente é".
"Às vezes a gente fica com a sensação de que a população quer estar armada, mas a arma de fogo custa muito caro para o padrão de vida do brasileiro, a arma de fogo pode até ser comprada na boa intenção de se proteger, mas vai inclusive servir para crimes de natureza doméstica, feminicídios e violência contra crianças e adolescentes", nota.
Além disso, lembra o sociólogo, "se a pessoa não é um atirador, só usou o recurso para conseguir, muito provavelmente ainda vai estar em inferioridade tática se um criminoso quiser roubá-lo, não vai saber reagir e a arma vai ser desviada para o crime organizado".
Nesta entrevista à TSF, que pode ouvir abaixo na íntegra, o investigador fala sobre o "estado da arte" da violência e da segurança no Brasil de forma geral, mas também daqueles que são os pergaminhos que Bolsonaro deixa neste mandato presidencial e o projeto que Lula poderá ter em mãos em caso de vitória.
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"Se há uma marca histórica, com Bolsonaro essa violência continuará. Com Lula, existe uma chance de tentar criar um obstáculo, não é garantido que acabará", diz à TSF, vincando que "é aceitar a violência como grande linguagem política ou não aceitar a vida, a paz e a cidadania como grande linguagem política, essa é a grande diferença entre os dois".
Independentemente do desfecho da eleição, será possível que o país fique mais seguro a breve trecho? Renato Sérgio de Lima mostra-se cético: "Se a gente conseguir avançar com políticas públicas de prevenção e repressão qualificada, de redução da impunidade, sem dúvida nenhuma, o Brasil pode ter um ciclo virtuoso de redução da violência. O problema é que na proposta do presidente Bolsonaro isso está longe de ser realidade, e, na proposta de Lula, a segurança não é propriamente uma prioridade, está constando. É possível, mas acho que ainda vai demorar um pouquinho para resolver esse problema no Brasil".
