Um enfermeiro português a trabalhar em Espanha relata à TSF como está a ser feita a luta contra a Covid-19 num hospital psiquiátrico em Santander.
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Depois de ter trabalhado em vários hospitais de Portugal, o enfermeiro Pedro Barbosa emigrou para Espanha há um ano em busca de reconhecimento profissional e de melhor salário. Hoje trabalha em Santander, no Hospital Psiquiátrico Padre Menni. É este o seu testemunho destes dias:
"No meu hospital não existe nenhum caso positivo de Covid-19, mas temos tido muito trabalho porque há muitos ingressos. Estou quase sempre no turno da tarde. Costumo ficar com os doentes que apresentam patologia psiquiátrica aguda e discapacidade intelectual.
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Têm sido dias de bastante tensão e bastante receio devido aos números crescentes de casos que se veem todos os dias. Aqui em Espanha a doença localiza-se mais em Madrid e em Barcelona, na Catalunha. Nas outras províncias os casos começam a aumentar e cada vez ficamos com mais receio de que possam surgir casos próximo de nós.
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No hospital iniciámos um protocolo de prevenção bastante precoce quando tudo isto começou e ainda não tinha chegado à Cantábria. Foram tomadas uma série de medidas - restrição de visitas, de saídas, medir a temperatura aos profissionais de saúde e aos funcionários e usar máscara preventiva e luvas - de forma a evitar o contágio aos nossos doentes que têm bastantes debilidades, até porque temos uma área no hospital que é a psicogeriatria e, como sabem, a incidência e a mortalidade da covid é maior na população geriátrica.
Muitas das vezes sentimo-nos impotentes porque não conseguimos controlar a disseminação e também não conseguimos dar resposta à população pelo número de infetados que se tem observado. É humanamente difícil chegar a todos e tratar de todos. Por isso, cada vez mais as organizações estão a ser reestruturadas.
Faltam equipamentos de proteção individual
Aqui na Cantábria, todos os doentes que eram de psiquiatria que estavam no hospital central de Santander (Hospital Universitário Marqués de Valdecilla) foram transferidos para o hospital onde trabalho e assim as vagas de psiquiatria no hospital central estão livres para poderem ser ocupadas por doentes covid. Tiveram de fazer essa reestruturação para poderem dar uma melhor resposta à população. Também abrimos uma unidade de medicina interna e por isso tiveram de aumentar o pessoal colocando mais médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar, mas claro que nem sempre conseguimos chegar a todos da mesma forma até porque o material é bastante escasso.
Em Portugal ouve-se falar da falta de material e aqui em Espanha também. Há uma grande falta de material. Ainda temos luvas, mas máscaras, gorros, batas, impermeáveis...não existem. Isso ainda nos dá um sentimento mais forte de impotência. Nós não estamos devidamente protegidos. Sempre que encaramos um doente temos de pensar que estamos perante um potencial portador do vírus.
Os doentes estão confinados, não podem sair do serviço, da unidade, não podem fazer a sua rotina habitual e como são doentes especiais com patologia psiquiátrica, por vezes torna-se difícil gerir esta situação com eles. Temos de ter bastante manejo, bastante compreensão, proporcionar-lhes os meios de comunicação para poderem comunicar com as famílias. O hospital tem-nos ajudado e tem dado conta da situação. Por exemplo, forneceu-nos mais tablets para eles poderem fazer videochamadas com a família, aumentaram o número de animadores sócio culturais para os doentes estarem ocupados com atividades. Têm tomado medidas no sentido de nos ajudar a controlar os doentes.
Medidas mais fortes em Portugal
Tenho acompanhado a situação em Portugal. Todos os dias, por volta das 12h00, vou verificar os números no portal da Direção-Geral da Saúde para ver como está a evolução e falo com toda a minha família em Portugal. Vejo que a situação aí, de momento, está mais controlada do que aqui. Penso que se tomaram medidas mais precoces do que aqui, mas deveriam ser medidas mais restritas. Podiam ser mais duros. Acho que estão um pouco leves nas medidas. A situação pode ficar descontrolada e depois irão ter alguma dificuldade em controlar o surto, como aconteceu aqui.
As medidas aqui em Espanha são mesmo rígidas. Quando se diz que não se pode sair à rua, não se pode mesmo. A polícia está na rua, à porta de casa e controla mesmo, não deixa ir duas pessoas no carro, salvo em situações muito excecionais. As medidas aqui são mesmo para se cumprir.
Máscara, sempre... e saudades do país
Tenho os cuidados que toda a gente deve ter: fazer uma boa lavagem das mãos, desinfetar as mãos com uma solução hidroalcoólica, lavar bem a roupa com temperatura superior a 40 graus, ter cuidado com o calçado quando entro em casa, ao tossir ou ao espirrar fazê-lo sempre com o cotovelo. Uso sempre máscara quando saio de casa. A fazer a viagem, também. E recomendo o uso, ainda que DGS não o tenha recomendado. Na entrada do meu trabalho, verificam sempre se tenho febre ou não. Se tiver, é proibido entrar.
Faz dia 23 de abril um ano que cheguei a Santander. Estou bastante satisfeito com a cidade e o país. Sinto-me mais satisfeito e realizado, quer a nível profissional quer remuneratório quer das funções que desempenho. Em Portugal não consegui estabilidade profissional e aqui consegui, portanto o balanço é bastante positivo.
Não vou a casa nesta Páscoa. Tinha duas semanas de férias marcadas para agora, mas foram canceladas, o que me deixa com bastante pena. Espero brevemente poder estar aí. Sou de Penafiel e estudei no Porto. Tenho muita saudade da minha cidade e do meu país e espero brevemente poder voltar."