Oito anos de guerra em Cabo Delgado: médica pede "atenção para que não se esqueça esta crise"

Diego Menjíbar Reynés/AFP (arquivo)
Em entrevista à TSF, Jacinta Francisco, médica moçambicana e chefe-adjunta das operações dos Médicos Sem Fronteiras em Moçambique, descreve o desafio permanente enfrentado pela organização e explica como atuam no contexto deste conflito armado
Mais de oito anos após o ataque de um grupo de combatentes do Estado Islâmico a três esquadras da polícia em Mocímboa da Praia, na província de Cabo Delgado, o conflito em Moçambique, que já causou milhares de deslocados, está quase esquecido. O alerta é feito por Jacinta Francisco, chefe-adjunta de operações da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no país, à TSF.
"Vemos aqui várias pessoas necessitadas e o constante movimento da população de Cabo Delgado e de quase toda a região norte de Moçambique. Pedimos atenção ao mundo inteiro para que não se esqueça esta crise, que é prolongada e precisa muito do apoio de todos nós. Se fizermos e ajudarmos dentro das nossas capacidades com o que tivermos, seria uma mais-valia para a comunidade de Cabo Delgado e para a comunidade moçambicana no geral", sublinha.
A médica explica que no meio de outras guerras no mundo sobra pouco espaço para Cabo Delgado na comunicação social. "Existem várias outras crises globais que também trazem dados alarmantes ou desastres que atraem a atenção imediata", denuncia, acrescentando que no caso do conflito armado em Moçambique, é preciso considerar que esta é "uma crise prolongada que não favorece uma resposta mediática".
"Quando o conflito dura alguns anos, acaba por desaparecer das notícias. É um dos desafios que enfrentamos. Além disso, sabemos que a complexidade do conflito envolve insurgências locais, uma resposta regional, questões ligadas à exploração de recursos naturais, o que torna difícil a abordagem da comunidade internacional", reconhece.
Em Cabo Delgado, a equipa da MSF conta com 200 médicos e não falta trabalho. "Prestar cuidados primários de saúde: tem sido uma área muito difícil e complexa, dado ao contexto de segurança instável da MSF. Recebemos casos de pessoas traumatizadas pelo medo e afetadas pela violência, pacientes com malária, cólera e diarreia e muitos casos ligados à saúde materno-infantil e a mulheres grávidas", conta.
Jacinta Francisco descreve a ação dos médicos nesta região como um desafio permanente. Mais do que a falta de equipamentos, sobressai a falta de recursos humanos para responder a uma crise tão generalizada.
"É preciso abordar a escassez crítica do pessoal de saúde, porque a MSF não está em Moçambique e em Cabo Delgado para substituir o sistema de saúde funcional, a saúde materno-infantil, a mental e os cuidados de emergência. Tem de existir formação adequada e recursos para os profissionais de saúde", aponta.
A degradação das infraestruturas médicas também dificultado a operação da organização, que alerta para a "precariedade no que toca ao acesso a cuidados de saúde". A isto, soma-se também a escassez de águia potável, um problema que afeta sobretudo as zonas rurais.
"A água potável é um dos grandes problemas desde sempre. Nos contextos onde nós trabalhamos é muito difícil ter água potável. É um grande desafio no que concerne ao saneamento do meio", adianta.
A organização Médicos Sem Fronteiras está presente na província de Cabo Delgado em Pemba, Mueda, Mocímboa da Praia, Palma, Macomia e numa operação de emergência na província de Nampula. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados afirma que, desde o início da guerra em outubro de 2017, há registo de 1,3 milhões de moçambicanos deslocados.