Referendo para nova constituição na Tunísia. "Receios" ou "benefício da própria democracia"?
Em declarações à TSF, Pedro Neto, da Amnistia Internacional, considera que a nova constituição "dá muitos poderes ao presidente e retira quase toda a independência ao poder judicial e jurídico" e Raul M. Braga Pires, é descartada a ideia de um regresso completo ao passado na Tunísia
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A Tunísia prepara-se para, esta segunda-feira, votar o referendo para uma nova constituição. A votação acontece um ano após o presidente tunisino, Kais Saied, ter suspenso o parlamento numa decisão que a oposição condenou e considerou um golpe contra a única democracia que emergiu após a Primavera Árabe, em 2011.
Se a proposta for aprovada no sufrágio, o presidente passa a designar o chefe do governo e a poder demitir de forma unilateral os ministros sem necessidade de aprovação do Parlamento.
A Human Rights Watch afirma que a votação que está a ocorrer na Tunísia é apenas um dos exemplos que mostram um claro contraste em relação à constituição de 2014, adotada na sequência da primavera árabe. Outro dos argumentos da organização passa pela possibilidade de o presidente poder declarar um estado de exceção no caso de "perigo iminente", sem consultar outros órgãos, incluindo o Tribunal Constitucional.
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O texto do referendo desta segunda-feira não contempla também qualquer processo para destituir o Presidente em caso de "flagrante violação da Constituição", ao contrário do que acontece desde 2014. A Human Rights Watch nota ainda que apesar de o documento manter o limite máximo de dois mandatos presidenciais, deixa de constar uma provisão que bloqueava qualquer tentativa para aumentar o número de mandatos.
Em declarações à TSF, Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional, considera que a nova constituição "dá muitos poderes ao presidente e retira quase toda a independência ao poder judicial e jurídico". Um dos outros "receios" da instituição é o de a "religião ser instrumentalizada, não para os seus fins, mas para justificação e obtenção de mais poderes, isto é, todas as medidas que o presidente tomar, nesta nova constituição, pode justificá-las com o interesse do islão", conclui.
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No caso de Raul M. Braga Pires, é descartada a ideia de um regresso completo ao passado na Tunísia. O politólogo admite que o país vai passar a ter um regime hiper presidencial, no entanto, o especialista em assuntos do Magrebe acredita que os direitos, liberdades e garantias do povo não vão ficar em causa, até porque acredita que essa foi uma conquista que os tunisinos não estão dispostos a perder, depois de terem derrubado o regime de Ben Ali em 2011.
"Eles não querem um Ben Ali em cada esquina, e isso não vai acontecer porque também não vão permitir, e o próprio presidente também tem oportunidade de demonstrar que é um bom político, mostrando que não está apenas interessado "no poder pelo poder", mas também na criação de uma "Tunísia nova, pós-2011", explica o politólogo.
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O especialista em assuntos do Magrebe acredita que a nova constituição no país pode ser "um processo que vai beneficiar a própria democracia, porque caímos muito no erro de olhar para estes países com os nossos olhos, do nosso modelo e experiência". A Democracia, na opinião de Raul M. Braga Pires, "não é uma paleta só de uma cor, nem só existe um tom de cinzento".
Cerca de 9,3 milhões dos 12 milhões de cidadãos tunisinos são elegíveis para votar, incluindo cerca de 356 mil pessoas que começaram a votar no estrangeiro este sábado. Espera-se que a votação desta segunda-feira seja aprovada, mas a afluência às urnas será vista como um teste à popularidade do presidente Kais Saied.