Pela primeira vez na democracia de Espanha, os espanhóis foram deitar-se sem saber quem será o próximo chefe do Governo, após umas eleições que fizeram entrar em força no parlamento novos partidos como o Podemos e o Ciudadanos.
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Os resultados das eleições gerais em Espanha, realizadas no domingo, abrem um cenário de incerteza sobre quem será o próximo chefe do executivo e mesmo de que ala política (esquerda ou direita) sairá.
A vitória sem maioria absoluta do PP (menos 3,6 milhões de votos, passando de 186 para 123 deputados), conjugada com o pior resultado da história do PSOE (90 deputados e menos 1,4 milhões de votos), tornam essencial avançar com acordos.
O cenário matematicamente mais simples (mas politicamente inédito e complicado) é um acordo entre PP e PSOE, para formar um Governo improvável, um acordo de legislatura e/ou um acordo para investir Mariano Rajoy (atual líder do executivo) como presidente de um Governo minoritário.
Os outros cenários passam por acordos com os emergentes Podemos (que passa de zero a 69 assentos no parlamento espanhol, contando com as formações "irmãs" En Comú Podem, En Mareas e Compromís) e Ciudadanos (que também se estreia no Congresso dos deputados com 40 assentos). No entanto, um acordo do PP ou do PSOE com estes dois partidos não é suficiente: cada um dos partidos terá de contar também com pequenos partidos regionais e nacionalistas.
Neste ponto, as opções complicam-se ainda mais: os partidos nacionalistas com mais votos são os catalães Esquerra Republicana Catalana (ERC, nove assentos) e DL (Democràcia i Libertat, oito), ambos a favor da independência da Catalunha.
PP, PSOE e Ciudadanos estão contra a independência e um referendo só para a Catalunha sobre essa possibilidade. Só o Podemos o aceita.
Nas declarações de final da noite de eleições, Pedro Sánchez (PSOE) e Mariano Rajoy coincidiram que cabe ao partido mais votado, o PP, "tentar formar Governo", enquanto Albert Rivera insistiu que os deputados do Ciudadanos bloquearão qualquer tentativa de Governo que integre o Podemos e que poderão abster-se para viabilizar o novo presidente do Governo.
Já Pablo Iglesias, do Podemos, disse que Espanha optou por uma mudança de sistema e declarou o "fim do bipartidismo" e do "sistema de porta giratória" entre PP e PSOE. Também afirmou que pretende uma reforma constitucional que altere a lei eleitoral em Espanha e consagre direitos sociais como a habitação e a possibilidade de moções de censura ao presidente de um Governo que não cumpra o seu programa eleitoral.
A lei que regula as eleições gerais em Espanha indica que, uma vez formado o novo parlamento, escolhem-se os líderes das várias formações com assento parlamentar - que apresentam candidatos a presidente - e marca-se uma votação. Na primeira votação para a investidura do presidente, este precisa de maioria absoluta (ou seja, 176 deputados). Na segunda, basta-lhe uma maioria simples, ou seja, ser o mais votado.
É neste segundo cenário que poderão apostar os eventuais blocos. Mariano Rajoy e o PP precisariam assim da abstenção do Ciudadanos (que poderia colocar condições para o fazer) e que todas as outras forças não se unissem contra ele.
Já o PSOE precisa necessariamente do voto a favor do Podemos e de outros pequenos partidos (se não os catalães), pelo menos o Partido Nacionalista Basco, a Izquierda Unida ou a Coligação das Canárias, com quem conseguirá mais facilmente acordos do que o PP.
A política espanhola entra, assim, em águas desconhecidas, com o bipartidismo (PP e PSOE) a obter pouco mais de 50% dos votos nestas eleições (face aos 73% de 2011). Os emergentes Ciudadanos e Podemos entram em força no parlamento, mas ambos com a sensação de que poderiam ser decisivos por si só.
O Ciudadanos foi apontado nas sondagens como o partido com o qual todos teriam e quereriam fazer acordo, enquanto o Podemos chegou a sonhar com um segundo lugar, acima do PSOE, que lhe permitiria obter a liderança de uma aliança de esquerdas.
Os principais analistas em Espanha consideram já a hipótese de eleições antecipadas, na sequência da eventual instabilidade governativa.