Retirada de civis "é complicado". Porta-voz da ONU diz que "pessoas estão muito traumatizadas"
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Depois do anúncio russo de um cessar-fogo no complexo industrial em Mariupol, a Rússia, a Ucrânia, a Cruz Vermelha Internacional e as Nações Unidas ainda estão a negociar a retirada de civis. Foi isso que explicou à TSF o porta-voz da ONU na Ucrânia, Saviano Abreu.
"Foi anunciado ontem pelo governo russo e estamos nas negociações. Eu não diria que seja ainda um cessar-fogo total, porque tem que ser acordado pelas duas partes em conflito, mas está em processo de negociação, pelo menos, a passagem segura, os corredores de evacuação", adianta.
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Este responsável da ONU, que está, nesta altura, em Zaporizhzhya à espera de autorização para a retirada de civis de Mariupol, pede que sejam criados corredores humanitários noutras regiões do país.
"Não entramos ainda em Kherson, não tivemos autorização para entrar, ainda que tenhamos feito vários processos de negociação e pedidos para poder entrar. É uma área completamente isolada e cortada do resto da Ucrânia e que ainda não podemos oferecer ajuda humanitária. Mas também outras áreas do leste, como nas regiões de Lugansk e Donetsk, também têm várias áreas que não tivemos acesso e que sabemos que têm ali centenas ou milhares de pessoas que estão em situação desesperada. Em outras áreas estamos a operar e em dois meses de guerra já conseguimos chegar com ajuda humanitária a mais de 4,1 milhões de pessoas."
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Nesta altura, centenas de civis já deixaram os subterrâneos da fábrica Azovstal em dois momentos diferentes, diz Saviano Abreu.
"Na sexta-feira saímos de Zaporizhzhya, fomos em direção em Mariupol. Chegámos no sábado pela manhã. É um processo longo, árduo, com vários riscos e negociações. No sábado foi efetivamente quando começou a primeira evacuação do complexo de Azovstal. Só na terça-feira, durante essa primeira saída conseguimos evacuar mais de 100 pessoas do complexo de Azovstal e mais de 50 outras que se juntaram à nossa caravana de evacuação em Mangush. Pelos dois governos, o governo da Ucrânia e o governo da federação russa, a gente foi para acompanhar e chegamos ontem à noite aqui com um grupo maior. Foram mais de 340 pessoas que ontem conseguimos trazer", refere.
Imagina ficar dentro de um bunker sem luz do dia por dois meses, sem saber se é dia, se é noite, que horas são e escutar o tempo todo os bombardeamentos do lado de fora e não saber se você vai escapar disso
Saviano Abreu conta em que estado é que as pessoas estão a chegar a Zaporizhzhya. O porta-voz da ONU na Ucrânia diz que uma das mulheres tinha "muito medo". "Estava completamente perdida, não sabia onde estava, estava traumatiza e não conseguia reagir a quase nada."
"Este processo é muito complicado para essas pessoas, porque elas vêm num autocarro que é do governo russo, num certo ponto têm que trocar e entrar num autocarro que é do governo ucraniano. Nesse processo de transferência, via-se o medo na cara dessa mulher. As pessoas estão muito traumatizadas. Em muitos casos são pessoas idosas. Ontem, um dos velhinhos que estava a tentar sair de um dos autocarros tive que ajudá-lo, segurar pelo braço, a esposa dele também muito velha, com dificuldades para caminhar. Vendo uma pessoa dessa idade tendo que escapar de uma zona de guerra e indo não se sabe nem para onde... Imagina ficar dentro de um bunker sem luz do dia por dois meses, sem saber se é dia, se é noite, que horas são e escutar o tempo todo os bombardeamentos do lado de fora e não saber se você vai escapar disso", explica.
O porta-voz da ONU na Ucrânia relata as dificuldades destas operações no terreno.
"Estávamos a passar por campos minados, que descobrimos ao chegar. Tivemos que esperar, fazer a retirada das minas de áreas que tivemos que passar com civis. Houve uma explosão muito perto de nós, um bombardeamento muito perto da nossa equipa. Estamos a negociar com dois governos que estão em conflito e cada processo é difícil, complicado, e temos que chegar a acordo no mais mínimo detalhe para conseguir que isso seja seguro para nós e para as pessoas que estamos a tentar ajudar", finaliza.
