"Se a proposta da Comissão for um nado-morto, estamos em maus lençóis"
É hora do vai ou racha. Na primeira entrevista após a divulgação da proposta da Comissão Europeia, Elisa Ferreira revela na TSF os planos europeus para Portugal. Estamos todos no mesmo barco.
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Um novo instrumento de recuperação das economias, Next Generation EU, Próxima Geração União Europeia: 750 mil milhões de euros, bem como reforços orientados para o orçamento de longo prazo da União no período 2021/2027. Comissária Elisa Ferreira, a proposta da Comissão Europeia (CE) agora apresentada é finalmente uma proposta à altura do desafio que a Europa enfrenta?
Na minha opinião, é. Eu fico contente por pertencer a este colégio, que foi capaz de tomar uma posição que é inovadora a vários títulos, e, sobretudo, está à altura da crise que temos de enfrentar. Durante muito tempo, nós todos nos queixávamos que a Comissão parecia que estava um pouco desaparecida. Neste momento, a Comissão tomou uma decisão e fez uma proposta que eu acho que quebra esse tipo de perceção definitivamente, uma proposta que, a vários títulos é única e, eu diria, quase histórica - não só na rapidez com que reagiu (foi uma questão de semanas ou um mês desde que o Conselho deu mandato à Comissão), penso que também do tamanho da resposta, porque, de facto, estar a falar de ir ao mercado emitir dívida num montante de 750 mil milhões de euros é qualquer coisa de muito significativo. É também, de facto, muito significativa na arquitetura. Engendrou-se, perante a escassez do orçamento europeu (os cidadãos, por vezes, nem se apercebem de que o orçamento que há para gerir é um orçamento que representa 1% da riqueza coletiva). E depois também, trazer ao debate a questão dos recursos próprios das fontes com as quais se vai procurar pagar esta dívida, que é um assunto que está sempre latente e que eu espero que, desta vez, tenha um impulso; para além dos próprios instrumentos que foram construídos para responder à crise e, portanto, eu acho que, a vários níveis, esta iniciativa da Comissão é histórica. Classificá-la-ia assim.
Angela Merkel disse, na quarta-feira, que os líderes da UE certamente não vão chegar a um acordo sobre o próximo orçamento plurianual na cimeira de junho, talvez o consigam só antes do outono. Portanto, não receia que isto seja um nado-morto? Talvez seja cedo para festejar...
Eu não festejo nada. A Comissão fez uma proposta, cabe-lhe as iniciativas dos processos europeus. No passado, fui crítica daquilo que considerei que foram ausências da Comissão em algumas respostas ao longo da história europeia. Desta vez, eu estou a celebrar apenas o facto de a Comissão ter sido suficientemente corajosa e visionária para vir para o espaço público, dando uma resposta àquilo que foi o pedido ou a solicitação dos Estados. E veio com um instrumento bem construído, a meu ver, significativo em termos de orçamento e inovador. Além disso, parece-me que tem no centro uma preocupação de coesão, uma preocupação de modernidade, uma preocupação ambiental, mas também uma preocupação de não deixar ninguém para trás, que era um pouco aquilo que nós neste momento precisávamos de sentir. Agora, cada qual tem as suas responsabilidades. A comissão, a meu ver, tomou uma posição correta, e é disso que eu estou a falar. É evidente que cabe agora aos Estados-membros e ao Parlamento darem também o seu contributo e esperemos que seja um contributo construtivo. Eu estive no Parlamento a acompanhar a presidente ainda esta semana e as principais forças políticas representadas no Parlamento Europeu pronunciaram-se todas num sentido extraordinariamente positivo. Vamos ver o que é que o Conselho vai decidir, isto é, o que é que os Estados-membros, em última instância, vão decidir sobre este assunto. Portanto, vamos ver como é que as coisas evoluem. Também lhe posso dizer que se isto for um nado-morto, como o Ricardo estava a referir, estamos em maus lençóis. Eu espero que não seja e acredito que não vai ser.
Há Estados-membros que queriam um menor peso das subvenções, do dinheiro a fundo perdido, e maior peso do endividamento. Não receia que o "quem fica com quanto" ainda venha a trazer muita discussão?
Traz sempre discussão, mas os políticos obedecem àquilo que são os sentimentos das populações que os elegem. E eu acho que, infelizmente, houve uma certa perda de contacto por parte dos cidadãos em relação com os factos reais que estão subjacentes a este projeto europeu. E muitos dos países que, neste momento, aparecem com títulos vários, mas que, no fundo, se estão a mostrar algo renitentes relativamente a este projeto, são alguns dos que mais beneficiam das livres circulações, nomeadamente de capitais e também de mercadorias. A sua saúde financeira e económica não seria necessariamente a mesma se não beneficiassem deste espaço coletivo que fomos capazes de criar. Eu espero que os discursos e as conceções sejam um bocadinho mais profundas do que os 'slogans' que sempre existem em relação às contribuições e aos recebimentos por cada país de um montante que não passa de 1% da riqueza coletiva. Faz muita falta no debate público uma discussão sobre como é que essa riqueza coletiva é construída.
Isto vai ao encontro das suas expectativas quando defendeu, numa entrevista que me deu há uns meses, o reforço do orçamento comunitário? É o suficiente?
A proposta da Comissão vem exatamente nesse sentido. Nessa entrevista, eu dizia - talvez não por estas palavras - que um clube como este, com este grau de aprofundamento e com este grau de intrusão sobre aquilo que são normalmente as políticas desenvolvidas por estados em autarcia, isoladamente, e que fez com que este mercado fosse um espaço onde funcionam as liberdades de circulação de mercadorias, de pessoas (com algumas limitações, mas existem) e a liberdade de movimentação de capitais e de empresas, acaba por requerer um instrumento bastante mais sólido que reequilibre permanentemente as condições em que essa concorrência pode ser feita. Penso que, na altura em que falámos, ainda não havia esta perceção, mas a Comissão Europeia, quando se percebeu que a crise era de facto algo de muito muito dramático para o emprego, para as empresas e para a economia, tomou duas decisões urgentes, e uma delas foi permitir a reprogramação total dos fundos estruturais. Dentro dos envelopes que cada país tinha disponível, permitiu que houvesse uma reorientação desses dinheiros para aquilo que foram as urgências. Pela primeira vez, permitiu-se que houvesse uma completa possibilidade de transferir os fundos para outros, jogando com o Fundo Social Europeu, com o FEDER e com o Fundo de Coesão. Permitiu-se também que alguns projetos pudessem ser financiados a 100%, coisa de que também não havia memória, pelo menos em Portugal. A outra dimensão foi a liberalização total ou quase total das ajudas de Estado, e, neste momento, quando nós estamos a falar de que o orçamento plurianual é da ordem de 1,1 milhões de milhões, as ajudas de cada Estado membro às suas empresas ascendem a cerca de 2,3, portanto, é duas vezes vírgula três mais forte do que é o orçamento plurianual da CE. Isto mostra um desequilíbrio interno e, de facto, este desequilíbrio tem de ser corrigido. Uma das funções desta nossa iniciativa é criar condições para que haja um reequilíbrio, de modo a que aqueles países que não têm condições de financiar ou apoiar as suas empresas em condições de crédito muito vantajosas ou entrando no capital das empresas com condições de saída, há toda uma panóplia de instrumentos para que as empresas desses Estados-membros não fiquem prejudicadas. É uma das linhas que está prevista neste esquema grande de apoios, isto para ilustrar que, de facto, o mercado, pelo seu funcionamento, não gera equilíbrios, só gera desequilíbrios. Esses desequilíbrios têm de ser de algum modo compensados através de políticas que permitam não alimentar a falta de competitividade, mas, pelo contrário, estimular a aceleração dessa competitividade, de modo a que, a médio ou longo prazo, haja condições mais equilibradas de concorrência dentro deste mercado interno e dentro desta moeda única. Portanto, toda esta lógica tem de estar subjacente quando discutimos como é que funcionamos neste espaço comum.
Com o que está proposto, ficam repostos os valores da política de coesão que existem atualmente, nomeadamente através do novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência?
Eles ficam mais do que repostos porque, no imediato, ainda este ano, esta iniciativa vem acrescer àquilo que é o quadro plurianual que estava em discussão de 2021 a 2027. A proposta da Comissão é que esse quadro tenha alterações apenas cirúrgicas, portanto, ele vai-se manter, em termos de volumes globais, mais ou menos como estava, mas o que há neste momento é um empréstimo de 750 mil milhões de euros que vem juntar-se a este orçamento plurianual e que tem, todo ele, uma fortíssima componente de coesão. Vai, sobretudo, permitir que os países façam um plano de relançamento estrutural da sua economia e que os liberte das fragilidades que historicamente vão acumulando. Depois, há o REACT que contempla 55 mil milhões e que é um reforço da política de coesão para o período que ainda estamos a viver, portanto 2014-2020 e que prolonga para além de 2020 a possibilidade de financiamento de políticas estruturais e políticas de coesão.
E ao abrigo dessa nova Iniciativa, REACT-EU, quais são os critérios de distribuição? Os países mais afetados por desemprego jovem, por exemplo, vão ser objeto de discriminação positiva na atribuição destas verbas?
Sim, sim, o REACT vai permitir uma transição entre quadros comunitários, que era algo que nós consideramos que era necessário, vai manter muitas das flexibilidade que foram introduzidas neste último ano, mas a base continua a ser uma base de coesão, de desenvolvimento regional. Mas estes 55 mil milhões de euros vão ser distribuídos em envelopes nacionais nos quais pesam, sobretudo, três tipos de variáveis. Por um lado, a quebra de produto que resultou da pandemia; e portanto, os valores vão ser calculados em setembro ou outubro, logo que saiam as estatísticas nós fechamos a fórmula. Outro elemento que vai ser tomado em conta é o aumento do desemprego, incluindo o desemprego jovem, e depois há um ponderador que aparece em toda a política de coesão, que é ajudar mais os países e as regiões que têm menos capacidade de se ajudarem a si próprios. Isto é um grande programa que vai fazer a transição. Para além disso, é reforçado também o Fundo de Transição Justa. Portugal...
Um valor que é agora cinco vezes superior...
Sim... Foram já publicados os valores, algo em que Portugal tinha um valor de cerca de 79 milhões de euros, porque, à partida, era um programa inicialmente muito percebido como um programa para o leste da Europa. A nossa opção foi alargar a todos os países. Há um primeiro eixo que toca os impactos ambientais e sociais das transições energéticas. A proposta da Comissão para Portugal foi uma seleção da área de Sines, da área do Pêgo, e da área da área da refinaria em Leça, Matosinhos, precisamente por o impacto urbano que esta poluição tem, zonas que emitem gases com efeito de estufa. O apoio que estava previsto era de 79 milhões de euros. Neste momento, tem mais de 460 milhões previstos, o que significa que é possível fazer um plano de grande alcance para a requalificação ambiental, minorando o mais possível os impactos sociais e regionais.
Tendo em conta que essas são áreas sob sua alçada, áreas que tutela, está pessoalmente satisfeita com esta proposta? Foi uma vitória política para si?
Eu acho que não há vitórias individuais, há uma vitória coletiva dos cidadãos europeus ou não há, e acho que a Comissão Europeia tem de fazer o seu trabalho. Enfim, é a minha obrigação. Até porque sou convictamente uma defensora do projeto europeu e também da necessidade de criar mecanismos de reequilíbrio interno, sobretudo quando uma crise como esta vai afetar desigualmente os vários Estados e as várias regiões. Daí a preocupação também com todos estes mecanismos de recuperação, de resiliência, de REACT foi criar instrumentos próximos rápidos que ajudem estas regiões a recuperar e evitar que atores, vínculos laborais, empresas saiam do terreno e tenham uma rutura definitiva por razões que elas não conseguiram de facto colmatar. Agora, isto não é feito diretamente pela Comissão Europeia ou pela União, é feito em articulação com os Estados membros e portanto cabe aos Estados-Membros prepararem os programas e os planos para que de facto estas disponibilidades sejam encaminhadas. Tenho de fazer aqui uma nota: os prazos para ter este efeito vão ser muito curtos. Isto é, os países podem começar já a preparar ou a pensar o que é que querem fazer com estes fundos, com o REACT, em cima dos planos de desenvolvimento que já tinham preparados. Portanto...
E devem fazer e apresentar os projetos até quando? Setembro? Final do ano?
É importante que os países e as regiões comecem já a trabalhar nestes projetos, é evidente que não há, neste momento, uma segurança total, mas os textos legislativos já foram aprovados. Há propostas legislativas da CE que foram aprovadas e o enquadramento está feito. Faço notar que este enquadramento tem uma preocupação muito grande de que não façamos o futuro exatamente como era o passado, há uma preocupação de que os projetos tenham uma forte componente de respeito ambiental, de poupança energética, de poupança de emissões atmosféricas e de instalação de todas as tecnologias disponíveis, nomeadamente as digitais. Temos de recuperar virados para a frente e não repetindo aquilo que era o nosso passado, e toda esta dinâmica pode começar a ser preparada, muito embora as verbas só estarão disponíveis e os envelopes só estarão afinados depois do verão. Enfim, há todo um conjunto de reformas que são a origem deste instrumento e que, neste momento, estão a receber um multiplicador em termos de verbas disponíveis. Há um instrumento também para apoio estratégico ao investimento e, em particular, às cadeias da indústria, vai ser reforçado o Invest EU. Tudo isto está muito ancorado nos bancos de fomento nacionais nos vários países. É muito importante que haja esse tipo de instrumentos. E no Grupo Banco Europeu de Investimentos (BEI), precisamente porque é por aí que vão ser utilizados e canalizados estes montantes. Temos ainda um outro envelope proposto pela Comissão, com um programa para saúde, com investigação e desenvolvimento, com um apoio reforçado ao Horizon, que é algo em que Portugal se começou a afirmar de um modo muito interessante.
Os quase 95 mil milhões de euros para o Horizonte Europa...
Exatamente, também aumentado. E também a ação externa, a ajuda humanitária, o Erasmus... Eu diria que quase não há programa que não esteja a ter uma proposta extra de suplemento financeiro.
O dinheiro tem de vir de algum sítio... Os europeus vão ter de pagar mais impostos?
Eu acho que não se pode colocar as coisas nesses termos. O dinheiro tem de vir de algum sítio e os europeus já pagam muitos impostos dentro dos seus próprios países. Aquilo que é uma fonte relevante de financiamento do orçamento comunitário são, de facto, as transferências que os países têm de fazer para o orçamento comum e fazem de acordo com a sua riqueza relativa. Essas contribuições todas somadas, e eu não me canso de repetir isto, andam à volta de 1% da riqueza coletiva, é um valor absolutamente irrisório. Quando os cidadãos, com a crise da pandemia, muito justamente, diziam: "E então a UE afinal não faz nada?", esquecem-se de que, de facto, em primeiro lugar, a UE e a CE não têm competências em matéria de saúde, é uma matéria dos Estados-Membros. E, em segundo lugar, o orçamento é de 1%. Imaginem um orçamento de um país ser de 1% do rendimento nacional. O que é que se pode fazer com isso? A verdade é que muito é feito. Países que têm beneficiado maciçamente de todo este tipo de apoios, como é o caso dos portugueses, veem o quanto se faz com um valor que é um 1% do rendimento coletivo. Agora...
Mas a possibilidade de aumentar as receitas por meio de um imposto digital ou pelas emissões de dióxido de carbono faz parte de uma nova realidade europeia?
É, sim, uma nova realidade europeia. Mas temos todos de ter consciência de que continuar a trabalhar com um orçamento à volta de um 1% é algo que não é sustentável. Não é possível. Se todos nós recebermos do orçamento exatamente aquilo que lá metemos, não vale a pena estarmos a fazer nenhum orçamento porque cada um fica em casa. Ou seja, há aqui um fator de redistribuição, mas depois acaba por ser muito difícil de explicar aos cidadãos e acaba por haver batalhas campais e quase campanhas eleitorais em torno de quanto se contribui ou quanto se recebe, ignorando que a verdadeira receita é beneficiar deste mercado interno, deste espaço de todas estas liberdades, como referi há pouco. É evidente que a Comissão está a fazer propostas mas não se pode substituir aos Estados-membros, estes terão de concordar.
Uma das fontes possíveis é pensar em grandes empresas em grandes multinacionais. Elas, normalmente, estão a conseguir escapar praticamente, como se sabe, porque utilizam a facilidade de movimentação dos capitais para irem localizar a sua declaração de rendimentos, o seu lucro tributável, em países onde esse lucro tem mais possibilidades de ser erodido através de isenções de todo tipo. Sabemos que há países aqui na Europa que se especializaram um pouco nesse tipo de práticas e, portanto, há uma proposta que vem de há muito tempo da própria CE sobre - pelo menos à partida - harmonizar a base de incidência dos impostos. Essa questão é uma questão premente, como também é uma questão premente saber se as empresas pagam os impostos no sítio onde realizam os lucros ou se as pagam só nesses tais mini paraísos fiscais. Isto é um debate que é absolutamente essencial, porque aquilo a que assistimos é que os orçamentos nacionais e as suas receitas ficam todos alimentados por pequenas contribuições de pequenas e médias empresas, que não têm estas facilidades de deslocação do seu lucro, e pelos cidadãos comuns, que não deveriam ser os mais penalizados, e, sobretudo, os trabalhadores em todos os países. Isto é uma questão premente.
Há também a pauta comum de carbono, que ainda não está montada, mas, fazendo a Europa todo este esforço de se antecipar ao resto do planeta no cumprimento de normas ambientais e de emissões atmosféricas, não é aceitável que continue a importar de países e de fontes externas que não cumprem as mesmas regras. Portanto, há todo um conjunto de temas que, neste momento, ganham uma enorme acuidade e oportunidade e que, num período um longo que é aquele em que estamos a trabalhar, podem ser muito interessantes para, de facto, cumprir essa emissão de dívida.
Se esta proposta vingar e parte do orçamento europeu deixar de depender dos governos nacionais, passar a CE cobrar os seus próprios impostos, vamos de ora em diante ter uma Comissão mais autónoma em relação aos Estados-membros? Acrescento outra: é a diferença entre uma comissão liderada por alguém da Alemanha em vez de um luxemburguês, português ou italiano?
É difícil responder a essas questões. Quer dizer, a primeira questão não é difícil, até é fácil; acho que, de facto, a Comissão precisa de ter autonomia para fazer propostas quando essas interessem ao projeto europeu e que interessem aos cidadãos, mesmo que essas propostas - pelo menos numa primeira fase - não sejam aquelas que os Estados membros mais desejam. E é evidente que, quando se tem um orçamento tão diminuto como este é, os anseios dos cidadãos ficam sempre por responder, porque os cidadãos não têm a noção do que é que isto representa. Evidentemente que nós podemos gerir melhor e estamos sempre interessados em gerir cada vez melhor o dinheiro que há disponível, mas para a CE poder responder àquilo que é necessário - e, neste caso concreto, o que é necessário é uma crise histórica e uma antecipação de uma quebra no produto de 7,5% (o que, na verdade, é uma estimativa, pode até ser mais grave), que significa que alguns países têm dois dígitos de quebra, ou seja, algumas regiões estão numa situação absolutamente desesperada. E as regiões não são apenas regiões: são pessoas, empresas, trabalhadores, famílias. Os cidadãos olham para a Europa e perguntam "o que é que nos oferecem"? Consequentemente, não há alternativa a fazermos este salto qualitativo de facto pesado para atingirmos um mínimo de resposta. Mas crises como estas acontecem sempre.
Agora, não há dúvida que, para que a comissão tenha alguma margem de manobra e alguma autonomia, tem de ter recursos próprios que não dependam deste debate que é pungente e que pode distorcer a perceção do cidadão comum do que é a Europa. Começa a ser um bocadinho vexatório ouvir determinado tipo de comentários - que já ouvimos, infelizmente, na crise anterior - e acho que uma das lições que se tem de retirar da crise anterior é que a Europa não pode funcionar na base de "onde é que está o meu dinheirinho" ou "como é que agora vou geri-lo e isto é um assunto meu". Não, não pode ser. Isto é um projeto complexo, mas é um projeto em que, neste momento, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva. Enquanto na crise passada, digamos que os países mais afetados eram os países da periferia, com um peso na economia global da União Europeia da ordem dos 2% a 3%, agora, a crise incidiu em Itália, na Espanha, e, portanto, isto é metade da Europa que fica em crise. E se metade da Europa - pensando não em termos de solidariedade, mas em termos económicos - está em crise profunda, no desemprego, o mercado não funciona. Isto é: quem quer exportar não tem mercado e o mercado internacional também não está dinâmico como se sabe; é uma crise global. Olhando para aquilo que estão a fazer os EUA, a China, o Canadá, a Austrália, todos os blocos e os relançamentos que estão a organizar, a Europa precisa também ela de estar à altura do seu papel na cena internacional e não ficar para trás desta corrida, porque seria muito perigoso para o futuro de todos os europeus.
E agora?
Desta vez, a Comissão fez o que tinha a fazer e eu espero que agora o Conselho rapidamente dê uma resposta positiva. Vamos ver se a reunião de junho nos traz boas novidades. Se não for a de junho, que seja a de julho. Mas nós precisamos de aprovar o Plano Plurianual para o próximo período rapidamente. Precisamos de aprovar este plano para todos estes instrumentos que referi começarem a libertar dinheiro. Porque o ataque a esta crise não é para daqui a dois anos; é para daqui a duas semanas, de preferência, porque as pessoas estão desesperadas e, pela nossa parte, isso foi tido em conta. Trabalhámos muito intensamente para conseguir, num mês, pôr isto cá fora; é evidente que nós estávamos a trabalhar desde o início e agora foi um momento de aceleração.
