Sismo na Turquia. Pessoas com mobilidade reduzida obrigadas a usar fraldas e dependentes de terceiros
A Amnistia Internacional alerta que as pessoas com deficiência ou debilidades físicas estão a ser "esquecidas" na ajuda humanitária.
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A Amnistia Internacional está preocupada com as condições de vida dos milhões de pessoas que ficaram desalojadas na sequência do terramoto na Turquia, em fevereiro, em particular de pessoas com deficiência ou com problemas de saúde mental.
Num relatório divulgado esta quarta-feira, a Amnistia Internacional alerta que as pessoas com deficiência estão a ser "esquecidas" na resposta humanitária, vítimas de atropelo à sua "dignidade" e outros direitos.
Em declarações à TSF, o diretor executivo da Amnistia Internacional em Portugal, Pedro Neto, apela à ação imediata do governo turco e das agências humanitárias internacionais, apear de admitir que "uma resposta adequada à necessidade desta dimensão é uma exigência enorme".
"Não houve uma resposta adequada por parte do Governo turco e das agências humanitárias que estão no terreno" para "estas pessoas, seja com deficiência mental, seja, a esmagadora maioria, com deficiências que lhes causam mobilidade reduzida e autonomia reduzida, muitas também por que perderam membros do corpo no terramoto", alerta Pedro Neto.
Estima-se que 3,3 milhões de pessoas tenham perdido a casa depois do sismo e 2.3 milhões estão a viver há meses em abrigos ou contentores, locais onde não existem casas de banho acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida, alerta a Amnistia Internacional.
Na maioria dos casos, pode ler-se no relatório "Todos precisamos de dignidade - A exclusão de pessoas com deficiência na resposta ao sismo na Turquia", estão inteiramente dependentes de cuidadores e veem-se obrigadas a usar fraldas para adultos.
"Há um testemunho de uma rapariga que perdeu uma perna no terramoto e que diz que não lhe foram providenciadas formas de poder ir à casa de banho sozinha ou ter instalações sanitárias adequadas à sua condição, por isso deram-lhe fraldas para ela usar", conta Pedro Neto. "O irmão dela, que é quem toma conta dela, confirmou-nos que para ela ir às instalações sanitárias corre o risco de cair e ao cair pode infetar ainda mais a ferida por causa da perna que perdeu."
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Segundo o balanço conjunto do governo turco e da ONU, calcula-se que até 70% das pessoas que sobreviveram ao terremoto tenham algum tipo de deficiência. Também não têm acesso a cuidados de saúde especializados e tratamentos de reabilitação, estão dependentes de terceiros para obter comida e bens essenciais, e estão privados de inúmeros direitos.
Outro exemplo: a mãe de um jovem com deficiência cognitiva conta que o filho foge da tenda onde está alojado e incomoda raparigas no campo de refugiados porque lhes puxa o lenço que usam na cabeça. A única solução encontrada pela mãe foi prender o jovem junto à tenda "com um lenço a fazer corda", conta Pedro Neto.
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A Amnistia alerta os responsáveis governamentais e também doadores que não esqueçam a resposta às necessidades das pessoas com deficiência e apela ao governo turco que dê prioridade ao realojamento de quem mais está a sofrer com a vida em abrigos temporários.
Outro risco, aponta Pedro Neto, são eventuais entraves do Governo turco na assistência humanitária nesta fase pré-eleitoral. As eleições estão marcadas para o dia 14 de maio e o atual Presidente, no poder há 20 anos, vai candidatar-se a um novo mandato.
"Aquilo que nos preocupa, ainda mais num tempo que vêm aí eleições, é que o regime turco tente esconder os reais dados, as reais condições, aquilo que está a ser feito e o que não está a ser feito, por razões eleitorais" ou mesmo que dificulte "o acesso de organizações como Amnistia ou de agências humanitárias têm que fazer seu trabalho de terreno".
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O relatório da Amnistia Internacional incide apenas sobre a situação na Turquia, mas Pedro Neto teme que também na Síria "os problemas poderão ser os mesmos ou mais graves", já que as infraestruturas do país "eram ainda mais frágeis do que na Turquia".