O fotojornalista português Mário Cruz quer publicar um livro para pressionar as autoridades a acabarem com as práticas que denunciou na reportagem premiada "Talibes, escravos contemporâneos".
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Mário Cruz estava na Guiné-Bissau em 2009 quando ouviu pela primeira vez histórias sobre crianças desaparecidas que estavam ser traficadas para servirem de escravas no Senegal. Em 2015 decidiu investigar e descobriu que a falta de regulamentação das daaras, ou escolas islâmicas onde as crianças estudam o Corão e aprendem a falar e a ler árabe, tinha permitido que a tradição desse lugar a uma forma contemporânea de escravatura infantil no Senegal.
Talibe significa estudante em arábico, mas as crianças fotografadas por Mário Cruz, com idades entre os cinco e os quinze anos, são obrigadas pelos seus alegados professores religiosos a pedir esmola na rua, durante oito a nove horas por dia. As daaras, onde vivem e onde deveriam estudar, são na verdade lugares de tortura, onde os meninos são espancados e violados com frequência, como castigo por falharem as exigências dos seus captores. Malária, doenças de pele, problemas respiratórios, e parasitas do sistema digestivos, são comuns entre os jovens.
Apesar dos relatórios de várias ONG, os responsáveis destas daaras têm continuado estas práticas com impunidade. As coisas começaram a mudar quando Mário Cruz foi distinguido em 2016 com o primeiro prémio do prestigiado concurso de fotojornalismo World Press Photo, na categoria "Temas Contemporâneos", com a reportagem "Talibes, escravos contemporâneos". Depois da atribuição do prémio, muitas crianças foram resgatadas e trazidas de volta à Guiné-Bissau, e o governo senegalês contactou o fotojornalista no sentido de usar as fotografias para uma campanha de sensibilização.
Mas há ainda muito a fazer, e o fotojornalista quer agora publicar um livro, com o qual espera vir a pressionar as autoridades, nacionais e internacionais, para que algo de concreto seja feito para acabar de vez com a prática no Senegal. O livro será distribuído mundialmente, e entregue aos governos do Senegal e dos países limítrofes, assim como oferecido a escolas e bibliotecas do Senegal e Guiné-Bissau.
Para que o livro se torne uma realidade, Mário Cruz lançou uma campanha pública de angariação de fundos no site kickstarter, cujo objetivo é a angariação de 24 mil euros até 9 de junho.
Nascido em Lisboa em 1987, Mário Cruz é fotojornalista da agência Lusa desde 2008. Em 2014 venceu o prémio de fotojornalismo da Estação Imagem Mora, com a reportagem "Cegueira recente". No ano passado, a reportagem "Roof", sobre a crise em Portugal, retratando a realidade de quem vive em locais abandonados de Lisboa, valeu-lhe o prémio Magnum "30 Under 30". A "Talibes, escravos contemporâneos" recebeu também o primeiro prémio Estação Imagem Viana do Castelo, em 2016.