Treino em trincheiras na Ucrânia: "Se relaxamos e perdemos a forma pode ser fatal"
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É um treino numa trincheira real que foi conquistada aos russos há meses e agora é uma posição relativamente segura porque o local de treino é rotativo, assim o risco de ataque é reduzido. O treino muitas vezes é feito com fogo real e com situações de combate anteriores no sentido de melhorar a ação futura. Grizzly é o nome de guerra do oficial ao comando do batalhão.
"As estatísticas dizem que, se treinarmos, as baixas são reduzidas de 15-20% para 5%, por isso quando não estamos na posição, a 'segurar a linha', estamos a treinar. É como o desporto, se relaxamos e perdemos a forma pode ser fatal. O inimigo não perdoa." Os oficias em comando observam do topo da trincheira a ação das tropas para dar conselhos e perceber quem faz melhor o quê.
"É importante perceber o que cada um pode fazer melhor. A força da unidade está no seu todo. Muitos não tiveram treino militar prévio. Tive um soldado que não fazia nada de jeito e sinceramente não percebia o que podia pô-lo a fazer. Até ao dia em que ficou sozinho na posição porque os colegas ou morreram os foram feridos e aguentou a posição a noite toda sozinho. Depois disso, nunca mais lhe disse nada. Ganhou o meu respeito", conta Grizzly.
Inicialmente, a unidade tinha 40 voluntários e veteranos, como Grizzly que combateu no Donbass entre 2015 e 2016. O grupo depois cresceu para 100, e com os vários sucessos militares que tiveram cresceu mais e mais. Chegaram a ter 505 no batalhão, mas agora esse número está mais reduzido. Dezenas morreram, dezenas foram feridos, outros encontraram forma legal de escapar à mobilização e ao serviço militar. Um dos casos mais caricatos é o dum homem que se casou com uma idosa, a mãe da namorada, para poder ter um atestado que dizia que tratava duma pessoa inválida, e assim poder regressar a casa, explica Grizzly com um sorriso irónico.
"Estou muito cansado. Mesmo. Esta guerra é muito estúpida e não acredito que a Ucrânia recupere a totalidade do território ocupado pela Rússia, mas claro vou lutar até ao fim. Mas isto é muito duro, não têm nada ver com outros conflitos", desabafa Grizzly, que na vida civil é dono de uma empresa de produção de peças de metal no oblast de Lutsk, de onde é natural.
Muitos dos homens no batalhão são seus empregados na vida civil. Por exemplo, o seu condutor Charlie. "Muitos deles são da região de Donetsk e estão aqui a combater connosco. Para alguns arranjei trabalho na minha empresa e uma casa para poderem morar com a família. Muitos perderam as casas", diz Grizzly, que acredita que isto é sua missão, ajudar no que pode quem está a lutar pela Ucrânia livre, quer seja como oficial no comando militar, quer seja como patrão.
Na sua unidade há também uma pequena divisão que opera drones kamikaze que atacam posições e material militar russo na linha de contacto e além, nas costas dos russos. "Há vários tipos de drones e vários óculos para os drones FPV. Como não têm estabilização como os Mavics, são mais difíceis de operar, por isso os óculos são fundamentais. Estes drones são muito mais baratos de produzir, o que faz sentido porque são usados uma, duas vezes", explica Bohdan, que opera um drone FPV com uma garrafa de Coca-Cola cheia de areia, exatamente com o mesmo peso de uma granada.
"Agora é um treino, amanhã é a sério na frente de batalha. Não podemos falhar muito porque são oportunidades desperdiçadas e os russos estão muito fortes na guerra eletrónica, quando fazem jamming dos nossos drones, mesmo os FPV", concluí Bohdan, com um campo de girassóis por colher no fim da estação nas suas costas, uma presença constante na paisagem de Zaporizhzhia este ano. O fim do acordo dos cereais assim o ditou.