"Um dia este império tinha de começar a liquidar-se. Isto não é novo na história da Rússia"
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O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, defende em declarações à TSF que a rebelião do grupo Wagner pode ser o início de uma mudança há muito aguardada e do fim do atual "império russo". Sem antecipar se esta pode ser a chegada ao poder de Prigozhin ou a queda de Putin, Sadokha acredita que os ucranianos saem beneficiados, mas lamenta que o cenário neste momento pareça ser o de uma "guerra civil" iminente e não o de uma "revolução democrática.
Sem dúvidas de que a Rússia continuará a ser uma superpotência mundial, o ucraniano aponta também que, ainda assim, as ações do Grupo Wagner podem ajudar a retirar tropas russas da Ucrânia.
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O que é de esperar, para o lado ucraniano, desta rebelião do Grupo Wagner?
Este cenário de guerra civil na Rússia era o que esperávamos mesmo do início, de quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Sabemos que aquilo a que chamamos de governo da Rússia é um governo que foi construído com base nos planos criminosos dirigidos por Putin e outros políticos corruptos da Rússia. Claro que, um dia, este império tinha de começar a dar broncas, de começar a liquidar-se. Isto não é novo na história da Rússia: toda a história do Império russo acabava com um poder absoluto de um czar que depois foi retirado pelas revoluções ou rebeldes que queriam também ter este poder. Infelizmente, não parece que seja esse o cenário, que seria melhor para todo o mundo, não só para Ucrânia, mas para todo o mundo, de uma revolução democrática. Parece que vai dar numa guerra civil muito violenta na própria Rússia, mas isto tudo, para a Ucrânia, é positivo, porque hoje temos outra vez testemunhos de uma enorme tragédia, bombardeamentos das cidades ucranianas, nomeadamente da capital, Kyiv, e acho que a guerra tem de passar agora para aquelas que a começaram.
Mas antecipava que esta rebelião pudesse ser de um grupo que tem o aval do Presidente russo?
Nós não sabemos, então com toda a política russa mentirosa das últimas décadas, na verdade, não sabemos se isto é realmente uma chegada ao poder do Prigozhin, dirigente do Grupo Wagner, ou então mais uma manipulação pelo Putin, que quer explicar ou desculpar, de alguma maneira, perdas militares na Ucrânia. Mas mesmo assim, tirar a atenção da Ucrânia e começar uma operação de guerra civil, ou uma confusão, na Rússia, é muito valioso para a Ucrânia e nós só ganhamos com isso.
E pode levar à queda de Vladimir Putin, no limite?
Acho que o poder de Vladimir vai cair, não sei se mesmo agora, neste cenário, mas um dia, de certeza absoluta. Mesmo assim, Putin ainda tem grande poder, mas acho que chegou a um ponto, com as suas mentiras e as suas ações imprevisíveis, em que há outros grupos muito fortes, que cresceram militar e financeiramente na Rússia, e que não querem perder tudo por, digamos assim, esta doença, esta agressão imprevisível de Putin, e querem assegurar o seu poder lá na Rússia. Mesmo assim, o que acontece agora na Rússia parece uma época de feudalismo, quando alguns feudais, neste caso oligarcas, começam a dividir a Rússia e querem chegar ao poder, a ser czar, na Rússia. Qualquer cenário é positivo para a Ucrânia.
O que é que poderá acontecer nos próximos tempos?
É o que esperamos mesmo desde o início da agressão russa: esta guerra vai passar a uma guerra civil na própria Rússia. É o cenário melhor, e muito real, para os ucranianos e para o mundo, a autoliquidação do Império russo. Não precisamos de ter medo que isto vá dar numa catástrofe geopolítica na Europa ou na Ásia. Acho que é mais perigoso para todo o mundo e obviamente para a Europa se este Império continuar assim como está.
Pode dar uma nova força à contraofensiva ucraniana, no sentido de o foco passar a ser interno na Rússia e não haver forças para tudo?
É isso que esperamos. Claro que a Rússia, mesmo assim, com todo o apoio militar, financeiro e humanitário que dão à Ucrânia os países de NATO e os países da União Europeia, a Rússia continua a ter um potencial militar muito grande e superior ao da Ucrânia. Por isso, esta revolução ou esta guerra civil na Rússia pode dar a grande vantagem à Ucrânia de retirar as tropas russas do território ucraniano, que é um objetivo, como sabemos, das palavras do nosso Presidente: o nosso objetivo nesta guerra, como nos vemos a ganhar esta guerra é a retirar as tropas russas de todo o território ucraniano. E esta ou revolução, ainda não sabemos se o é, ajuda a realizar este cenário.
Pode acontecer, por exemplo, Vladimir Putin, usar esta guerra civil como uma arma de arremesso contra os ucranianos, dizendo que estão por detrás disto? Isso não poderá, de alguma forma, virar-se contra os ucranianos no sentido de também dar força à Rússia?
Desde o início desta invasão de larga escala, de 24 de fevereiro do ano passado, Putin está a ameaçar usar tudo, toda a sua força, usar bombas nucleares, rebentar com a Ucrânia. Acho que os ucranianos já perderam completamente o medo de Putin, falta que os europeus também percam o medo destas ameaças de Putin. Já mostrou tudo o que podia mostrar. A última que fez, a catástrofe com a destruição da barragem na cidade de Kakhovka, já mostrou que Putin não tem limites. Sim, pode ainda fazer grandes catástrofes na Ucrânia, nomeadamente agora com a ameaça de rebentar com a central nuclear de Zaporizhzhya, que pode dar num problema enorme, não só para Ucrânia, mas para todo o Leste da Europa. Mas já não há passos atrás: ou nós vencemos, ou Putin vai ganhar e vai continuar a chantagear todo o mundo. Isto que acontece agora na Rússia mostra que começámos a ganhar muito significativamente.
