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Se uma guerra dura dez anos, o sistema internacional de governação da segurança que temos não é eficaz, admitiu António Guterres aos jornalistas, em Nova Iorque. O secretário-geral das Nações Unidas considera imperativo que, passados dez anos sobre o início de uma guerra que fez mais de 200 mil mortos e milhões de refugiados, se possa chegar a todos os sírios que precisam de ajuda humanitária.
"Há dez anos, a repressão de protestos populares pacíficos na Síria conduziu o país para uma guerra horrível. Depois de uma década de conflito, no meio de uma pandemia global e enfrentando uma série de novas crises, a Síria caiu das primeiras páginas. E, no entanto, a situação continua um pesadelo vivo. Centenas de milhar de sírios morreram, milhões são deslocados internos, um número incontável de pessoas ilegalmente detidas, frequentemente torturados e desaparecidos ou a viver na incerteza e privação", explicou António Guterres.
O secretário-geral da ONU considera impossível compreender a completa extensão da devastação que houve na Síria durante a última década e não esquece que o povo daquele país tem suportado alguns dos piores crimes que o mundo tem testemunhado no último século.
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"Bombas e morteiros despejados em cima de casas, escolas, mercados e hospitais. Armas químicas provocaram um sofrimento para o qual não há palavras; cidades foram sitiadas para esfomear os civis; as partes impuseram restrições indefensáveis à ajuda humanitária. Durante uma boa parte da guerra civil, partes substanciais do país foram controladas por grupos considerados terroristas pelo Conselho de Segurança, que submeteram os sírios a repressão e violência inimagináveis", recordou o secretário-geral da ONU.
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Para o presente e futuro, Guterres sublinha que é imperativo continuar a conseguir dar apoio a todos os sírios que precisam de ajuda humanitária. E como se fará isso? O português explica: "Mais acesso é necessário, intensificar as entregas entre linhas de conflito e entre fronteiras é essencial para chegar a todos os que precisam em todo o lado. Por isso, instei o Conselho de Segurança a chegar a um consenso neste assunto crucial. A ONU continuará a sua busca de um acordo político negociado, em linha com a resolução 2254. Um primeiro passo nesse sentido seria um progresso tangível no comité constitucional", afirmou António Guterres.

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Questionado sobre o falhanço das Nações Unidas perante o povo sírio, Guterres admitiu que, se a guerra já dura há dez anos, o sistema internacional de governação não é eficaz.
"É algo que deve ser uma fonte de reflexão para todos os envolvidos. Seria importante que a ONU, mas também o Conselho de Segurança, bem como todos os outros instrumentos da comunidade internacional, entendessem que os mecanismos que temos deveriam ser mais capazes de intervir quando temos situações dramáticas como estas há tanto tempo. Os mecanismos que temos hoje em dia em vigor, não são capazes de responder a estes desafios", reconheceu o secretário-geral da ONU.
Uma jornalista da CBS, por sua vez, perguntou a Guterres se pensa que aqueles que cometeram atrocidades na Síria, como Bashar al-Assad, alguma vez vão responder perante a justiça. Em resposta, o português confessou ter esperança em punições para os criminosos de guerra.
"Eu espero que seja possível, e claro que conhecemos todos os obstáculos e dificuldades, quando as coisas estiverem politicamente resolvidas e haja condições para os sírios procurarem um futuro normal, fazer ambos: justiça e reconciliação. E a justiça requer que aqueles que cometeram crimes contra a humanidade sejam responsabilizados por isso", ressalvou António Guterres.
No final, Guterres deixou um apelo àqueles que estão próximos do governo sírio, afirmando que é absolutamente essencial entrar em discussões sobre a Constituição e deixar os procedimentos burocráticos.
"A paralisia relativa, ou pelo menos o processo muito lento que tivemos no passado, pode ser superado. Devo dizer que encontrei um sólido entendimento sobre isto em todos os países que contactámos e penso que há uma clara unanimidade sobre isto no Conselho de Segurança", acrescentou o secretário-geral da ONU.