Haverá vida além do défice mas continuamos apostados em provar errada essa frase
Ricardo Cabral, economista da Universidade da Madeira, dá crédito aos partidos que suportam o Governo, mas entende que OE2019 é uma oportunidade perdida para fazer crescer o país.
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As críticas ao Orçamento do Estado de 2019 (OE 2019) foram muitas. O OE será eleitoralista para uns e pouco ambicioso para outros.
O presidente da CIP refere a insuficiência dos apoios às empresas, do investimento e sobretudo de medidas de política económica que coloquem a economia a crescer a taxas mais elevadas, posição que encontra eco em muitos sectores que realçam, em particular, que o investimento público continua a níveis muito baixos .
Do Conselho de Finanças Públicas, de vários economistas e jornalistas, de agências de rating e de instituições multilaterais como o FMI, a posição dominante é que, dada a conjuntura externa mais desfavorável prevista para o próximo ano, a meta do Governo para o défice de 2019 - 0,2% do PIB (défice tecnicamente zero) -, não será atingida . Por conseguinte, de acordo com esta perspetiva, perde-se uma oportunidade histórica para equilibrar as contas públicas.
Mas há também quem refira que foi um enorme feito atingir um saldo orçamental equilibrado. Há ainda quem argumente que o mais difícil foi atingido e que o importante agora é não voltar aos desvarios , mantendo as contas públicas equilibradas .
A estratégia do Governo tem sido clara e mantém-se neste OE. Conter a despesa pública, nomeadamente salários e pensões, bem como o investimento público. Promover uma pequena reposição de rendimentos sobretudo direccionada para a população com menor poder de compra. Evitar novas medidas de austeridade. E esperar que o PIB cresça.
O PIB tem crescido de facto e, com ele, o emprego. Mas o crescimento económico poderia ter sido superior se a política orçamental não fosse tão restritiva.
Aliás, é graças ao crescimento económico e à contenção de despesa e de investimento público que o défice tem caído tão significativamente. Mas é óbvio que este tipo de escolhas tem custos, nomeadamente na redução do potencial de crescimento da economia portuguesa. Não é por acaso que há problemas nos comboios, nas infra-estruturas e que se vai construir à pressa e mal um aeroporto no Montijo .
Reconheça-se, o Governo, PS, BE, PCP e Verdes tiveram muito mérito em ir gerindo os diferentes interesses nacionais e europeus para apresentar agora contas públicas equilibradas.
Mas a actual estratégia orçamental é a de um governo obcecado pelo défice (e pela dívida). Considero que se está a perder uma oportunidade única para colocar a economia portuguesa a crescer sustentadamente a taxas mais elevadas.
O Ministro das Finanças refere que Portugal terá o quinto maior défice orçamental da Zona Euro. Contudo, poderia igualmente referir que o governo do PSOE espanhol reviu os objectivos para o défice em alta : o défice cai de 3,1% do PIB em 2017 para 2,7% do PIB em 2018 e 1,8% do PIB em 2019, quando antes se previa para 2,2% e 1,3%, respectivamente, com funcionários públicos a serem aumentados 1,75% este ano e 2,5% em 2019. A ministra das finanças espanhola defende que o rigor não é sagrado e " que crescimento económico e do emprego não deve ser oprimido pela rigidez de compromissos impossíveis de cumprir ". O governo francês apresentou uma proposta de orçamento para 2019 em que o défice sobe de 2,6% do PIB em 2018 para 2,8% do PIB em 2019 , a namorar, por conseguinte, com o limite dos 3% do PIB. E projecta-se que o défice público da Bélgica se mantenha em 1% do PIB em 2018 e suba para 1,8% do PIB em 2019 . Tudo países com níveis de dívida pública em torno dos 100% do PIB e taxas de juro mais baixas do que as de Portugal.
Ou seja, as regras orçamentais europeias vão mudar e Portugal, com uma das mais elevadas dívidas públicas e com uma taxa de crescimento económica muito baixa nas últimas duas décadas, não deveria estar no pelotão da frente dos saldos orçamentais.
Há vida para além do défice , afinal de contas, e o país precisa de outra estratégia de desenvolvimento para o futuro que não passe exclusivamente e tão-somente pelo controlo do défice a todo o custo.
O autor deste artigo não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.