Líderes políticos precisam de conciliar a utopia com os reais valores da humanidade
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Há quase 10 anos percebi, numa simples conversa com os meus filhos, que cada vez mais, falamos cada vez menos, com a família e amigos, sobre questões, como causas, valores da humanidade ou direitos humanos. Estava criada a ideia de levar esses temas às pessoas e também ao espaço público.
Em 2013, juntamente com o Presidente da Câmara de Fafe, Raul Cunha, com o vereador Pompeu Martins, com o jornalista Joaquim Franco e com o Frei Fernando Ventura, desenhámos um projeto que visava lançar um olhar mais profundo sobre estas questões. E assim nasceu o Terra Justa - Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade.
Quando arrancou, 2 anos mais tarde, percebemos que fazia todo o sentido dar voz a pessoas desconhecidas, a outras que são até figuras públicas ou a instituições, que em todo o mundo lutam, muitas vezes, contra moinhos de vento, mas lutam, por causas e por valores.
Seja por via das homenagens, dos debates, conferências, atividades culturais, exposições, ou simples conversas de café, por onde já passaram várias personalidades que dedicaram a sua vida a uma causa ou que defendem valores universais, o objetivo é mesmo que "todos paremos para pensar" e que, de certa forma, sejamos provocados a isso.
E foi o que começámos a fazer no Terra Justa, por onde já passaram personalidades como António Guterres, Secretário geral da ONU; Óscar Rodríguez Maradiaga, arcebispo das Honduras, presidente (à época) da Caritas International; Maria Barroso Soares, Presidente (à época) da Fundação Pro-Dignitate; Mussie Zerai, um homem com uma história notável de vida (conhecido por ser o 112 do Mediterrâneo e que já salvou centenas de refugiados); Tareke Brhane, ele próprio um refugiado que demorou cinco anos a conseguir chegar da Eritreia à Europa e é hoje um ativista com trabalho feito.
Também recebemos contributos e autênticas lições de vida da Amnistia Internacional; Médicos do Mundo; UNICEF; Rede Talitha Kum ; das Enfermeiras paraquedistas portuguesas (que tiveram um papel humanitário singular na guerra colonial); os Capacetes Brancos da Síria; a Human Rights Watch ; a OIT; ou a Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos, entre muitos outros homenageados e convidados.
Todos eles "heróis" à sua medida, no seu tempo e no trabalho que desenvolveram ou têm vindo a desenvolver.
Ao lançar um olhar sobre a próxima década, ao nível dos direitos humanos, tenho de concordar com a maioria destes heróis que passaram pela Terra Justa, que, muitas vezes, em comum apontam o facto a humanidade estar cada vez menos humana e mais egoísta e indiferente ao outro... Que podíamos perfeitamente ser nós ou os nossos.
É fundamental que na próxima década, possam surgir líderes políticos internacionais que acreditem efetivamente numa mudança de paradigma para o mundo em que vivemos, onde seja possível conciliar a utopia com os reais valores da humanidade, porque sem eles e sem causas não somos melhores nem diferentes daqueles que, tendo na mão a possibilidade de mudar o mundo, nada fazem.
Olhar 2020
O embaixador do Terra Justa, Frei Fernando Ventura, costuma dizer que é necessário "Ser gente, com gente, para que cada vez mais gente, seja gente e nunca ninguém deixe de ser pessoa".
Este é e continuará a ser no próximo ano um desafio para todos nós: vermos os outros como pessoas e não apenas como dados estatísticos de crises humanitárias, supostamente distantes...
A desigualdade, nas suas mais diversas formas e cores, continuará a ser, porventura, um dos maiores problemas a combater em 2020.
Com o contacto que fui tendo ao longo de 5 anos de organização e apoio do Terra Justa - encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade, que tem lugar em Fafe, deu para sentir o pulso, conhecer histórias singulares dos diversos conflitos humanitários que acontecem em todos os continentes, a maioria, infelizmente, desconhecidos pela generalidade das pessoas.
É essa indiferença, esse desligar dos problemas e dos dramas que parecem ser só dos outros, que parecem acontecer lá longe, que é necessário continuar a combater em 2020.
Ao lançar um olhar sobre o ano novo, diria que é preocupante vermos a forma como tem sido e provavelmente continuará a ser gerida a crise dos refugiados.
Milhares de pessoas todos os dias abandonam os seus países em busca de uma vida melhor e muitas delas passam por verdadeiros desafios de sobrevivência. Muitas não sobrevivem.
A Europa, mas não só, tem falhado com estas pessoas.
Não se compreende como é possível ter uma das mais belas CARTAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, neste caso, DA UNIÃO EUROPEIA, que chama a si o facto de a União se basear "nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade... e depois o Parlamento Europeu, como aconteceu recentemente, não conseguir um consenso à volta do salvamento de vidas humanas, nomeadamente dos refugiados que tentam entrar na Europa pelo Mediterrâneo.
Já não é só à costa do sul da Europa, ou através das rotas do leste europeu, que milhares de pessoas tentam fugir para uma nova vida. Recentemente, vários dados mostram que o número de barcos a tentar entrar na costa da Grã-Bretanha está a aumentar, o que é preocupante até pelas condições de viagem e climatéricas.
Naturalmente que este é um problema de difícil resolução legal, politica e até humanitária, mas o que não devíamos permitir é que a nossa indiferença ou as diferenças nos afastem dos pilares humanos, essenciais, que definiram a Europa.
Dependendo do cenário internacional, podemos ter, em 2020, novas e fortes vagas de migração e precisamos que este nosso velho continente tenha novas ideias e politicas que defendam os valores proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada há mais de 70 anos pelas Nações Unidas. Espero que sejamos todos capazes de passar do papel e das declarações e cartas à prática em 2020!
* Comissário e um dos criadores do Encontro Terra Justa, em Fafe
LEIA AQUI AS MENSAGENS PARA O NOVO ANO DE TODAS AS PERSONALIDADES DESTACADAS PELA TSF