Ao olhar para outros países, o que estamos a fazer certo e errado para conter o crescimento do populismo?
Políbio, Maquiavel e Nietzsche tinham razão. A história é recorrente. Geralmente repete-se a cada 75-100 anos, ou a cada três gerações. À medida que as memórias do radicalismo do início do século XX se esvanecem, começam a emergir novos movimentos com as mesmas velhas ideias.
A ressurgência do radicalismo na Europa surgiu na década de 1990, na Áustria, com o despontar do FPÖ de Jörg Haider. Atualmente, quase todos os países europeus têm populistas ou nacionalistas nos seus parlamentos. Na Itália, Ucrânia, Hungria, Polónia, República Checa, Israel, EUA, Índia, Brasil, Filipinas ou Turquia chegaram aos respectivos governos.
Com agulhas de acupunctura, a estratégia destes movimentos extremistas é espetá-las com precisão em todos os descontentamentos populares, oferecendo tratamentos rudimentares, mas narcóticos, para diagnósticos complexos.
Portugal tem uma cultura e história política que lhe permitiu ser relativamente imune a estas correntes. Mas a chegada do partido Chega e da coligação Basta!, liderados por André Ventura, irão obrigar a imprensa e a classe política democrática a posicionarem-se. E a forma como o farão poderá ditar o sucesso ou o fracasso do extremismo em Portugal.
A tendência natural da imprensa e da classe política é estimular a contenda com populistas radicais apontando o dedo à leviandade das medidas propostas. Critica-se a xenofobia, a santificação da força, as propostas económicas esboçadas num guardanapo. Mas se um populista tem eleitores é porque é populista. Não é apesar de ser populista. Cada julgamento da imprensa à falta de caráter dos indivíduos ou cada crítica ao extremismo é aproveitada por populistas como donativos inesperados.
No início da campanha eleitoral, Jair Bolsonaro deu entrevistas na Globo News e na TV Cultura que chamaram a atenção. Durante horas os jornalistas fizeram vorazmente perguntas sobre temas polémicos como a homofobia, o armamentismo, a defesa da ditadura militar.
Resultado? Ao ser chamado a responder sobre os temas que domina, Bolsonaro mostrou uma desenvoltura notável. Com isso expandiu o seu eleitorado e acabou por usar essas entrevistas como material de campanha. Sobre política fiscal, comércio internacional ou reforma da segurança social - desafios estruturais no Brasil - não houve perguntas e Bolsonaro não teria respostas. Por isso os jornalistas deveriam de ter empurrado Bolsonaro para fora da sua reserva natural, deixando-o susceptível a ser caçado pela opinião pública.
Mas isto tem que ser feito sem intimidação ou humilhação, para não gerar efeitos contrários.
Até agora a imprensa portuguesa não tem sempre acertado. Alguns órgãos insistem em não dar-lhe espaço para não correrem o risco de legitimar a sua mensagem, o que serve de rastilho para a sua vitimização e humanização. Outros têm-no criticado abertamente, mas apenas relativamente aos temas que Ventura domina e que refletem um genuíno descontentamento público, acabando por inadvertidamente arregimentar apoio à sua causa.
Eu acompanho o André Ventura no Facebook há muito tempo. Leio todos os seus posts. Acompanho a sua evolução política desde que foi candidato à Câmara Municipal de Loures. Cada artigo ácido publicado na imprensa contra si é transformado por ele em sua vantagem, gerando milhares de apoios nas redes sociais. Para contrariar esta tendência, ele deveria ser questionado publicamente sobre temas que são centrais para os portugueses mas que estão fora da sua área de conforto.
Também não deveríamos criticar os eleitores de Ventura. Chamá-los de racistas ou preconceituosos só vai aliená-los. Fechar-se-ão num síndrome clubista que só serve para exacerbar a sua motivação ou para empurrá-los para uma câmara de eco. Foi isso que aconteceu com os membros da Liga Norte, um partido de extrema-direita italiano.
Os populistas têm uma mensagem própria de chefe de família. Gostam de dizer ininterruptamente que representam o povo perante a sobrançaria dos políticos, que dão voz àqueles que foram deixados para trás, principalmente a classe média. Tanto falam para os patrões contra a ditadura do proletariado quando para o proletariado contra a ditadura dos patrões. É o nós contra eles. Com isso gera-se uma percepção de crise, de medo e de frustração que é usada como fertilizante para a emergência de novos líderes, de pulso firme.
É difícil para os políticos tradicionais combaterem esta narrativa porque quase sempre implica serem sinceros, terem capacidade genuína de audição e, algumas vezes, pedirem desculpas. Bolsonaro ganhou as eleições porque, em parte, os brasileiros estavam cansados da governação do PT, corroída pela corrupção. Mas o partido nunca reestruturou a sua mensagem nem pediu desculpas. Até hoje.
Sem Portugal estar a passar por uma crise social e económica profunda, as principais críticas do Chega serão ao sistema político português. E muitas dessas críticas, na verdade, serão justas. A nossa Assembleia da República tem-se mantido imune à mudança e as outras instituições democráticas estão envelhecidas . O 'familygate' pôs mais gasolina na fogueira. Os partidos políticos precisam de deixar de responder com silêncio, com escárnio ou de forma defensiva. Combater o populismo de Ventura pressupõe mostrar um interesse sincero em oxigenar a política portuguesa.
A nossa classe política é excessivamente masculina, branca e envelhecida. E tendo chegado ao poder muito jovem, com o 25 de Abril, tem mostrado dificuldades em cedê-lo às novas gerações. Renovar, para deixar claro, significa diversificar, abrindo os portões do poder a quadros qualificados de fora dos aparelhos partidários, a mais mulheres, a mais minorias, a mais descendentes de estrangeiros. É a forma da população sentir-se representada e acreditar que os seus interesses podem ser defendidos.
Para derrotar André Ventura precisamos também de investigar as suas fontes de financiamento, as oficiais e as eventualmente oficiosas. Existe alguma possibilidade de estar a ser financiado por países terceiros? Por algum grupo de comunicação social? Se for por doações, quem são os apoiantes?
A Frente Nacional francesa, o partido Jobbik húngaro ou o NPD alemão foram financiados pela Rússia. O Vox espanhol já admitiu que recebeu dinheiro iraniano - do Conselho Nacional de Resistência do Irão.
Precisamos também de regular a forma como a informação política é divulgada. As eleições estão a ser ganhas nas redes sociais, usando-se algoritmos e dados privados de usuários para direcionar informações e vulgarizar notícias falsas sem qualquer tipo de filtro. Foi assim na campanha do Brexit, na eleição de Trump ou durante a campanha de Bolsonaro . Portugal precisa de monitorizar empresas de produção e disseminação de fake news. Se Ventura conseguir arregimentar um exército subterrâneo com a missão de criar grupos de WhatsApp que difundam notícias falsas, como fizeram populistas em outros países, a sua mensagem viciada vai ser recebida como verdadeira.
Além disso alguns políticos do PSD e do CDS precisam de conter impulsos de normalização do populismo. São muitos os maus exemplos pela Europa. O geralmente moderado primeiro ministro holandês Mark Rutte, ao tentar opor-se ao fundamentalista Geert Wilders, escreveu um artigo na imprensa com uma ameaça de expulsão aos emigrantes "que não se comportem normalmente e que não respeitem os nossos valores". Saiu-lhe o tiro pela culatra. Só serviu para o partido extremista PVV roubar votos à direita moderada.
Finalmente, os democratas portuguesas, nos próximos ciclos eleitorais, precisam de explicar didaticamente ao eleitorado - aos milhões de descontentes - que o populismo não serve de alívio para as suas afrontas. Segundo um estudo da universidade Johns Hopkins, que analisou o comportamento de líderes e partidos populistas em 33 países desde 1990, os governos populistas aprofundaram a corrupção, corroeram os direitos individuais e infligiram sérios danos às instituições democráticas.
Os maiores algozes dos radicais populistas são eles próprios.
* Rodrigo Tavares é fundador e presidente do Granito Group. A sua trajetória académica inclui as universidades de Harvard, Columbia, Gotemburgo e Califórnia-Berkeley. Foi nomeado Young Global Leader pelo Fórum Económico Mundial.