"As pessoas têm de perceber que o discurso de ódio é censurável, e mais, é punível porque é crime"

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No Fórum TSF, Ana Gomes afirma que a Justiça está a falhar ao não ilegalizar o Chega, enquanto António Costa Pinto a extrema-direita "facilita a passagem do discurso de ódio à prática do ódio"
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Numa altura em que o discurso de ódio está cada vez mais presente na política e na sociedade portuguesa e o advogado António Garcia Pereira ter apresentado queixa ao Ministério Público pedindo a ilegalização do Chega, o tema chegou a debate no Fórum TSF.
A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, que há quatro anos também pediu a extinção do Chega, considera que a Justiça portuguesa está a falhar.
"Os órgãos da Justiça, no quadro do Estado de direito democrático em que vivemos, têm de sancionar os comportamentos que são ilícitos e que são criminosos. E sem dúvida que as ideias racistas e xenófobas que instilam violência, que instilam um ódio contra segmentos da nossa sociedade, sejam portugueses, como é o caso do alvo de que é feito dos ciganos, quer sejam estrangeiros que vivem no nosso país", disse a socialista.
Ana Gomes diz que "toda a gente tem de cumprir a lei, portugueses ou estrangeiros, mas também os órgãos da Justiça têm de cumprir a lei e não têm cumprido e, dessa maneira, têm contribuído ativamente para a normalização desse discurso de ódio, discriminatório, xenófobo, que instiga violência e insegurança da nossa sociedade".
E deu exemplos: "Desde logo não agiu quando o Tribunal Constitucional, em 2019, legalizou um partido, o Chega, que tinha, e ainda tem hoje outro programa já modificado, mas nessa altura o programa era claramente racista e fascista, advogava o fim da Constituição da República, advogava a saída de Portugal da União Europeia, advogava a saída das Nações Unidas, advogava a privatização de todos os hospitais e todas as escolas, etc. Depois não atuou quando, perante uma queixa que foi apresentada por mim em 2021, e acho inacreditável que outros órgãos da República não tenham agido, designadamente a Presidente da República, designadamente o primeiro-ministro da época, não atuou, não fez nada. A senhora procuradora-geral da República, a quem eu dirigia essa queixa, sentou se em cima dela e, entretanto, partiu para a reforma e não fez rigorosamente nada, embora eu saiba que o Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, fez o seu trabalho."
Ana Gomes rejeita a ideia de que a discussão destas questões acabe por dar palco ao partido de André Ventura.
"O que não favorece a democracia, não defende a democracia, é nós permitirmos todo o tipo de crimes, como esses crimes de ódio, de violência racista que neste momento são praticados pelo Chega e que não é de agora, como se temos vindo a ver, normalizá-los e, portanto, dar aos cidadãos a perceção de que isso não tem mal nenhum, não há problema nenhum. E é por isso que estamos a ver nos cafés, nas ruas, muita gente estar a ter manifestações de ódio, miserável, nojento, abjeta. As pessoas têm de perceber que isso é censurável, e mais, é punível porque é crime", afirma.
O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) António Costa Pinto associa diretamente o discurso de ódio à extrema-direita.
"O discurso de ódio no campo político está a generalizar-se fundamentalmente associado aos partidos de direita radical populista. É um fenómeno global, ou seja, o crescimento dos partidos de direita radical populista na Europa, mas são apenas na Europa. Por exemplo, também no Japão e noutros países está diretamente associado a um tipo específico de discurso de ódio e a maioria deste discurso de ódio não diz respeito aos inimigos políticos, diz respeito àquilo que é a estratégia política e de mobilização destes partidos, que remete sobretudo para a xenofobia, para o racismo associado à imigração", considera.
E estas palavras cada vez mais presentes repercutem-se na sociedade: "É um discurso que, em primeiro lugar, facilita, acirra, a passagem do discurso de ódio à prática do ódio, ou seja, a atitudes públicas racistas e discriminatórias, e também, por parte das comunidades emigrantes, a uma atitude, digamos assim, de receio de segurança e inclusivamente aquilo a que se poderia chamar de desmoralização à integração na própria sociedade em questão."