Debate à direita é "perigoso e desnecessário": PS diz que "melhor contributo" de Montenegro é recusar revisão constitucional
Livre e PCP são críticos da revisão constitucional, mas garantem, no Fórum TSF, que se o processo for iniciado também vão apresentar propostas para reforçar "direitos sociais e questões ambientais" e denunciar uma tentativa de "ajuste de contas com os princípios fundamentais que foram consagrados na Constituição"
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Pela primeira vez na história do país, é possível existir uma revisão da Constituição à direita, já que, na atual configuração parlamentar, resultante das eleições legislativas de domingo, os partidos desta fação política reúnem os dois terços dos assentos na Assembleia da República (154 deputados), necessários para aprovar mudanças na lei fundamental.
Ainda durante a campanha eleitoral, no Debate da Rádio (entre as quais a TSF), o líder da IL acusou o porta-voz do Livre de querer "agitar papões" quando este alertou para a possibilidade de a direita, junta, poder querer rever a Constituição na próxima legislatura. “Não vale a pena agitar papões, não vale a pena vir com medo. O medo não é bom conselheiro", disse Rui Rocha. Ainda assim, apenas três dias após a vitória eleitoral, os liberais anunciaram que vão apresentar um projeto de revisão constitucional para reduzir o “papel central” do Estado na economia. Em resposta, Rui Tavares acusou a IL de "gostar de mandar gasolina para a fogueira".
O debate adensa-se no Fórum TSF desta quinta-feira, com a deputada socialista Isabel Moreira a desafiar Luís Montenegro a esclarecer de vez se a AD está ou não recetiva a uma possível revisão constitucional, sem o entendimento do PS.
A IL garante, por sua vez, que a proposta do partido não altera os valores fundamentais da democracia. No que diz respeito à saúde, por exemplo, o acesso dos cidadãos está assegurado. Na prática, a mudança sugerida passa por alargar o acesso a esse direito do hospital público "ao hospital privado ou IPSS".
"Deixa de ser uma obrigatoriedade ser um prestador público. Agora, a garantia do direito em si é óbvio que continua a ser o Estado a ter de garantir", destaca a líder parlamentar, Mariana Leitão.
Com os votos da emigração ainda por apurar, o Chega pode mesmo tornar-se a segunda maior força política do país. Questionada sobre se não é pouco prudente avançar com um projeto de revisão constitucional neste cenário, Mariana Leitão desdramatiza a questão, apontando que as alterações serão "votadas ponto a ponto numa comissão".
Qualquer devaneio que o Chega possa ter relativamente a alterações de direitos, liberdades e garantias, é óbvio que os restantes partidos moderados e sensatos não vão nunca permitir que passem. Eu não acho que haja aqui um risco objetivo de alterarmos os fundamentos da nossa Constituição.
Já Isabel Moreira considera "natural" que uma revisão à direita "cause alarme público". Além de ser um "debate perigoso", é "desnecessário". A também constitucionalista argumenta que não existe neste momento "nenhum problema premente ou estrutural" enfrentado pelos portugueses que possa ser resolvido através deste processo.
"As pessoas ficam nervosas se veem abertura por parte de Luís Montenegro, por parte do PSD, relativamente a uma revisão constitucional lançada pela Iniciativa Liberal, que pode ser aprovada sem o PS, quando a Constituição até hoje teve sempre, sempre, sempre, sempre o acordo do PS, do PSD e do CDS, exceto no momento da aprovação", ressalva.
Isabel Moreira faz por isso um pedido direto ao líder da AD: "Luís Montenegro, o melhor contributo que teria a dar era dizer que não quer uma revisão constitucional, isto não se falou na campanha eleitoral. Aliás, a própria Iniciativa Liberal, quando foi confrontada com a hipótese de uma revisão constitucional, disse 'não levantem fantasmas'."
A socialista aponta igualmente que, a par de um "resultado vitorioso" nas eleições legislativas, a coligação também registou "o pior resultado de um Governo que está em funções", sem maioria. Insiste, assim, que o primeiro-ministro deve dizer ao país, face ao "crescimento gigantesco da extrema-direita", que esta revisão não é uma "prioridade".
O Chega também já anunciou que pretende apresentar um novo projeto de revisão da Constituição. A deputada Cristina Rodrigues identifica os principais objetivos do partido liderado por André Ventura: repor a "neutralidade ideológica", alterar questões relativas aos "direitos, liberdades e garantias" e sobre o enriquecimento ilícito, garantir uma "melhor articulação entre os serviços públicos e privados" — nomeadamente no SNS e Educação — e instituir a prisão perpétua.
À esquerda, Paulo Muacho, deputado do Livre, revela preocupação com o avanço da revisão constitucional, numa altura em que os partidos à direita têm maioria parlamentar. Ainda assim, uma vez aberto este processo de revisão, o Livre admite apresentar propostas que visem "reforçar os direitos sociais, as questões ambientais e ecológicas", ainda que com um "escopo limitado".
"Porque nos revemos neste texto constitucional, revemo-nos naquilo que tem sido a aplicação da Constituição de [19]76 no nosso país. E entendemos que essa Constituição tem sido um garante do desenvolvimento e do progresso do nosso país", ressalva.
No caso do PCP, o deputado António Filipe entende que mudar a Constituição só faz sentido para os partidos da direita, mas, uma vez aberto, os comunistas não "deixarão de participar nesse processo com as suas próprias propostas".
"Ou seja, se da parte do PS ou do PSD houver a intenção de apresentar projetos de revisão e de alinhar no avanço desse processo, certamente que o PCP apresentará o seu próprio projeto e usará a eventual revisão constitucional para expor as suas posições e para denunciar e combater os propósitos da direita de revisão da Constituição, num sentido claramente negativo e de ajuste de contas com os princípios fundamentais que foram consagrados na Constituição, em resultado da Revolução do 25 de Abril", atira.
