Entre a teoria da grande substituição e o "exagero da indignação" nas reações à nova estratégia de Trump

Francis Chung/EPA
No documento que redefine a "Estratégia de Segurança Nacional" dos EUA, alerta-se, entre outros, para o perigo de "extinção civilizacional" da Europa, caso se mantenham as "tendências atuais"
O documento que redefine a estratégia de segurança dos EUA, que critica os europeus, esteve em análise no programa da TSF/CNN Portugal, O Princípio da Incerteza. A socialista Alexandra Leitão considera "grave" que num texto oficial norte-americano esteja em causa a defesa da teoria da grande substituição, enquanto que José Pacheco Pereira afirma "entrega a Europa à influência russa". Já o social-democrata entende que tem havido um "exagero do ponto de vista da indignação quanto a esta estratégia".
A Administração norte-americana, liderada pelo presidente Donald Trump, divulgou na sexta-feira um documento que redefine a sua "Estratégia de Segurança Nacional". Segundo a agência France-Presse, o documento, muito aguardado, formaliza a ofensiva lançada por Washington contra o continente europeu há meses.
No documento, alerta-se, entre outros, para o perigo de "extinção civilizacional" da Europa, caso se mantenham as "tendências atuais".
Sobre este aviso, a socialista Alexandra Leitão nota que estas palavras vêm na "linha de alguém que tem aquela obsessão anti-imigração, como cada vez mais pessoas têm, como se isso fosse a causa de todos os males". Ainda que reconheça a necessidade de "controlar" estes fluxos, afirma que em causa no texto divulgado pela Administração Trump está a defesa da teoria da grande substituição.
"Eu acho isso grave e assumir que se saúda certo tipo de partidos em detrimento de outros ou que não tem nada que se meter - é caso para dizer assim - e critica a União Europeia, designadamente na sua relação com a Rússia. (...) Eu acho mesmo que é normal que eles tenham estes textos. Se calhar já tiveram muitos outros parecidos, só que agora vem cá para fora com esta exuberância - que é típica de Trump - e com esta forma de nos pôr em sentido com aquilo que são as opiniões do Trump sobre a Europa", denuncia.
Já o autarca do Porto, Pedro Duarte, tem uma visão mais otimista acerca do documento. Refere, por exemplo, ter ficado "impressionado" com o facto de os norte-americanos terem assumido a "relevância" da Europa como parceira dos Estados Unidos.
"Abandona-se de vez a lógica dos Estados Unidos todo poderoso, a lógica unipolar em termos globais, é assumido que há um equilíbrio com a China e, em certo sentido, com a Rússia. E neste capítulo, tenta-se puxar pela Europa para poder vir a ser um parceiro dos Estados Unidos", aponta.
Considera, por isso, que há um "exagero" do ponto de vista da "indignação" quanto à estratégia traçada pelos EUA. "Há lá alguns elementos que me pareceram muito interessantes e muito positivos dos Estados Unidos poderem ver a Europa como um aliado no futuro", insiste.
Já no entender do historiador José Pacheco Pereira, a nova Estratégia de Segurança Nacional norte-americana "entrega a Europa à influência russa".
"O texto, resumindo isto em palavras duras e grossas, diz o seguinte: há três poderes no mundo - os Estados Unidos, a Rússia e a China. E a Europa tem duas soluções: ou se torna numa espécie de colónia dos Estados Unidos ou então entrega a soberania da Europa à Rússia. O que está ali implícito é que a potência que em condições normais devia dominar a Europa, uma vez que há estes problemas que os Estados Unidos identificam, é a Rússia", traduz.
Indo mais longe, Pacheco Pereira defende que os EUA têm procurado "interferir diretamente na política interna dos países europeus", uma atitude que, em condições normais, "podia levar até países cortarem as relações".
Entre outros alvos da Administração norte-americana, estão as instituições europeias que alega minarem "a liberdade política e a soberania", as políticas migratórias, a "censura à liberdade de expressão e a repressão da oposição política, o colapso das taxas de natalidade e a perda das identidades nacionais e da autoconfiança" na Europa.
"Se as tendências atuais continuarem, o continente [Europa] vai ficar irreconhecível dentro de 20 anos ou menos", lê-se no documento, de 33 páginas, analisado pela agência de notícias francesa AFP, onde é defendida a "restauração da supremacia" dos EUA na América Latina.
Trump, no prefácio, resume: "Pomos a América em primeiro lugar em tudo o que fazemos."
"É mais do que plausível que, em poucas décadas, no máximo, os membros da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte, na sigla inglesa) se tornem predominantemente não europeus", escreveu, acrescentando que "é legítimo questionar se eles perceberão o seu lugar no mundo ou a sua aliança com os EUA, da mesma forma que aqueles que assinaram a carta da organização".
Washington manifesta o desejo de que "a Europa permaneça europeia, recupere a sua autoconfiança civilizacional e abandone a sua obsessão infrutífera com o sufoco regulatório".
No texto, defende-se ainda que "a era das migrações massivas tem de acabar" e que "a segurança das fronteiras é o principal elemento da segurança nacional [norte-americana]".
Entre outros aspetos, a estratégia dos EUA anuncia um reajustamento da sua presença militar no mundo, "para responder às ameaças emergentes" naquele continente e um "afastamento de 'teatros' [de operações] cuja importância relativa para a segurança nacional americana diminuiu nos últimos anos ou décadas".
