Imigração: "pedido de serenidade" e alerta de que "atestado de bom comportamento não é dançar o malhão"
No programa O Princípio da Incerteza, da TSF e CNN Portugal, a líder parlamentar do PS pede "cuidado" no debate sobre imigração, para evitar "cair nos simplismos e populismos". Já Miguel Macedo defende que as declarações do líder do PS provam que foi retomado "um caminho de responsabilidade"
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As palavras do secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, têm sido alvo de debate e críticas. Alexandra Leitão apelou, por isso, à "serenidade", incluindo dentro do próprio partido. Já Pacheco Pereira falou numa aproximação a um discurso "sensato", mas criticou a forma como o líder dos socialistas levantou a questão do "respeito" pela cultura portuguesa, sublinhando que "ninguém espera, nem deve esperar, que o atestado de bom comportamento dos imigrantes em Portugal é dançarem o malhão".
Em entrevista ao Expresso, o secretário-geral dos socialistas admitiu que "o PS não fez tudo bem nos últimos anos" nesta matéria e adiantou que, ao contrário do que foi inicialmente defendido, o partido não quer recuperar a manifestação de interesse extinta pelo atual Governo. Estas considerações foram amplamente criticadas no espetro político, incluindo por membros do próprio partido.
No programa da TSF e CNN Portugal, O Princípio da Incerteza, a líder parlamentar do PS criticou a polarização em torno deste debate.
"As reações na sociedade e nas forças políticas à entrevista do secretário-geral do PS demonstram bem uma coisa, que é um dos primeiros problemas deste assunto da imigração: ele está a ser tratado com uma enorme polarização. Portanto, mais serenidade de todos neste debate, a começar na própria sociedade", sublinhou.
A líder parlamentar do PS garantiu ainda que este "pedido de serenidade" se aplica a "todos": à sociedade, às forças políticas, aos técnicos, aos cientistas, a todos e a si própria, "antes de mais".
Confrontada ainda com a consideração que Pedro Nuno Santos fez acerca de um modo de vida e uma cultura portuguesa que "deve ser respeitada" pelos imigrantes, Alexandra Leitão entende que o assunto pode despertar outras interpretações.
"Quando se fala em cultura de forma mais genérica, sem depois haver uma densificação com exemplos, pode haver quem entenda que se está a abrir a porta a um conjunto de coisas que depois podem ser discutíveis. Têm ou não o direito de comer comida kosher? Tem ou não o direito de comer comida Halal?", justificou.
A socialista apontou por isso que o debate sobre a imigração tem de ser discutido "com cuidado", para evitar "cair nos simplismos e populismos".
"Os valores-base, os valores constitucionais, os valores legais, os valores regulamentares, aqueles que fazem parte do chão comum do mundo ocidental - onde, por exemplo, a igualdade de género obviamente entra como primado -, todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres", argumentou.
Numa referência à proposta do PSD e Chega, que prevê a restrição no acesso de estrangeiros ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), Alexandra Leitão diz que o que "não pode aceitar" é que se entenda que os imigrantes tenham "um conjunto de deveres", mas depois não tenham direitos.
"O que eu não posso aceitar é que se entenda, como alguns entendem, que [os imigrantes] têm um conjunto de deveres, mas depois não têm, por exemplo, direito a recorrer ao SNS. Isso é que eu não posso aceitar", assinalou.
Já sobre a recusa de Pedro Nuno Santos em recuperar a manifestação de interesse para que os estrangeiros entrem em Portugal, defendendo que é um fator de atração, Alexandra Leitão adiantou que o partido "requereu a apreciação parlamentar para introduzir um conjunto de alterações ao diploma que venham criar instrumentos que preencham o vazio legal criado pela pura e simples revogação da manifestação de interesse por parte do Governo".
"Este são os termos do requerimento - e qualquer pessoa pode fazer o fact check e eu, ao contrário de [Elon] Musk, não tenho nada contra fact checks -, que foi entregue antes do verão. Se forem comparar o que eu acabei de dizer, que é o que está no requerimento, com aquilo que o secretário-geral disse sobre a manifestação de interesse, é exatamente o que ele disse. Ele disse: 'Nós achamos que há um vazio legal, tem de ser preenchido, não nos revemos na figura da manifestação de interesses'", apontou.
Quem faz uma apreciação positiva das palavras do líder dos socialistas é Pacheco Pereira. O social-democrata considera que Pedro Nuno Santos se aproximou "de uma posição mais sensata e atenta", mas critica a forma como colocou a questão.
"O único ponto que eu discordo é a maneira como Pedro Nuno Santos levantou a questão, com o problema dos chamados valores portugueses. Quer dizer, ninguém espera, nem deve esperar, que o atestado de bom comportamento dos imigrantes em Portugal é dançarem o malhão", ironizou.
Acrescenta ainda que não é esperado dos imigrantes que "abandonem a sua religião" e assumam "os costumes de outros país", exceto " naquilo que diz respeito à lei e diz respeito aos direitos humanos, que são mais do que a lei". Mas isso, avisou, "não é um problema de valores portugueses".
O antigo ministro da Administração-Interna Miguel Macedo defendeu igualmente que as declarações do líder do PS provam que o partido retomou "um caminho de responsabilidade em matéria de imigração".
"O que ele ali foi fazer foi desdizer tudo aquilo que ele e o PS andaram a dizer, nos últimos anos, em relação à matéria de imigração. Este é o resumo muito claro daquela parte da entrevista em que fala sobre a imigração", vincou.
Nesta situação, argumentou, é possível aplicar a velha máxima dos socialistas: "'Está tudo bem, até que o PS diga que está mal'".
"Vamos pôr aqui um ponto que é muito importante: isto é bom ou é mau para o país? Eu acho que é bom", atirou.
O secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, respondeu na sexta-feira às críticas internas face às declarações em que defendeu o fim da declaração de interesse para os imigrantes entrarem em Portugal e recusou que essa opinião determine uma viragem do partido à direita.
"Não concordo com essa visão, até porque uma das responsabilidades e das preocupações de um partido humanista como o Partido Socialista deve ser receber com condições e com a capacidade de integrar. E a verdade é que nós recebemos um número muito elevado de imigrantes e o país não estava preparado, o estado social não estava preparado para os receber", argumentou o líder socialista em declarações aos jornalistas à margem da apresentação do candidato do PS à Câmara Municipal de Tondela.
Pedro Nuno Santos mantém a opinião defensora da extinção da manifestação de interesse, mas considera que o Governo criou um "vazio legal", por isso vai apresentar uma alternativa.