Jorge Sampaio: É preciso fazer algo para inverter "esta corrida para o abismo"
A eleição de Trump é "um sério e preocupante aviso" de uma tendência global para o surgimento de "populismos". As "eleições na Alemanha e em França são as próximas etapas desta corrida para o abismo".
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Num ensaio publicado esta segunda-feira no jornal "Público", Jorge Sampaio manifesta-se preocupado com o rumo do projeto europeu, cujas feridas têm contribuído para a "emergência dos populismos".
O problema não é de agora, mas a resposta aos sinais que têm surgido revelaram-se insuficientes. Começaram com o "não" da França e Países Baixos ao Tratado Constitucional Europeu, culminaram mais recentemente na decisão do Reino Unido em deixar a União Europeia.
Na origem das clivagens está a falta de soluções para fazer face aos problemas económicos e financeiros com que a União Europeia de confronta. Por exemplo, "o baixo crescimento", as "altas taxas de desemprego" e a "elevada dívida pública e privada", apenas disfarçada pela intervenção do Banco Central Europeu que mantém o problema "em suspenso".
A incapacidade da União Europeia para lidar com a recente vaga migratória abriu também caminho para os discursos radicalizados que têm encontrado eco em alguns setores da sociedade.
A juntar a estes problemas, o "Brexit". Para Jorge Sampaio, a saída do Reino Unido da UE representa "um ponto de não retorno". Nada ficará como dantes e está aberta a porta para que outros países lhe sigam o caminho.
O antigo chefe de Estado considera que "a confiança está hoje abalada de forma sistémica e sistemática" e deixa uma pergunta: será que esta "desconfiança está já demasiado cimentada para ser reversível e evitar os populismos de toda a sorte?".
Para evitar o trilho do "abismo", Jorge Sampaio diz que "cabe à Europa contribuir para reinventar a democracia para a nossa era da globalização".
O momento deve merecer em Portugal, escreve o antigo Presidente, "um balanço rigoroso e exaustivo da nossa participação europeia na dupla vertente do que a Europa tem feito por nós e do que podemos fazer por ela".
Jorge Sampaio deixa algumas pistas: "temos de ser mais rigorosos em relação à Europa que queremos"; "deveríamos recusar todo o tipo de iniciativas restritivas que se baseiem em critérios passadistas e obsoletos, como sejam as que recorrem à figura dos membros fundadores".
A saída do Reino Unido da UE e os novos equilíbrios intraeuropeus que daí resultam devem também, segundo o antigo chefe de Estado, merecer a atenção de Portugal. Para Jorge Sampaio está aberto o caminho para que a Alemanha passe a ser o principal interlocutor dos EUA no seio da União Europeia. Por isso, Portugal deve "concentrar-se sobre as suas relações com a Alemanha e com a Espanha, que é o principal parceiro de Berlim (e de Washington) na Península Ibérica".