
Luís Marques Mendes, candidato à Presidência da República
Rita Chantre
Na entrevista TSF/JN, Luís Marques Mendes afirma que quer "evitar crises," promete menos vetos e mais mensagens ao Parlamento. Defende reflexão sobre sanções a deputados e considera que Gouveia e Melo "não tem experiência," e Ventura "representa um risco para a qualidade da democracia"
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Trabalhou longos anos com Cavaco Silva, concorda que a palavra pública faz parte da magistratura de influência do presidente da República e por isso deve ser utilizada com moderação?
Concordo totalmente. As pessoas nunca me viram sempre a falar. Cada um tem o seu estilo. Eu sou de falar pouco, embora de falar quando é importante. Por exemplo, estive 12 anos a fazer comentário político numa estação de televisão. Toda a gente conhece, mas eu era muito solicitado, até pela mesma estação de televisão, durante a semana para ir várias vezes ao seu canal de notícias para comentar este ou aquele assunto. De modo geral, recusei. Porquê? Para não banalizar. A palavra não deve ser banalizada, na Presidência da República, no Governo, no jornalismo, no comentário político, seja onde for. Porque se nós banalizamos, deixamos de ter eficácia. Eu só quero ser presidente da República porque acho que com alguma experiência que tenho, não o digo com arrogância, é uma constatação objetiva, com a experiência que tenho, com a independência de que já dei provas, com alguma capacidade, também já dei demonstrações de fazer consensos, eu quero ajudar, ser útil ao país, se não for útil ao país, não vale a pena a minha candidatura. Ora, um Presidente da República pode ser útil ao país, desde logo, se usar a palavra de forma seletiva e rigorosa.
E nos últimos anos houve excesso, houve banalização da palavra pública durante estes mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa?
Claro que houve um pouco de excesso, acho que toda a gente sabe isso, da direita à esquerda, mas aquele é o estilo do presidente. É o estilo dele. Ele é autêntico daquela maneira. Eu não sou daquela forma, mas tenho que respeitar, mas também digo, ele é autêntico. Ele é uma pessoa que gosta de intervir mais vezes, portanto, é autêntico. Eu também sou autêntico quando tenho uma visão diferente, intervenho poucas vezes, porque só gosto de intervir quando tenho alguma coisa útil para dizer.
Os recados que tiver de dar ao primeiro-ministro ficam guardados para as reuniões de quinta-feira ou admite, como Cavaco Silva dizia, que às vezes impõe-se uma palavra pública em certas situações?
Não devemos colocar uma em alternativa à outra, são complementares. Os contactos entre o Presidente da República e o primeiro-ministro às quintas-feiras, por um lado, e às vezes às terças, ou às quartas, ou às segundas, são absolutamente indispensáveis. E há coisas que, para uma pessoa ser útil ao país, têm que ser tratadas em privado, se não, não é útil ao país. Agora, também há momentos em que o Presidente tem que falar ao país. Tem que falar ao país quando faz uma ou outra visita, tem que falar ao país quando faz uma mensagem ao Parlamento. E eu devo dizer que vou ser um presidente da República a usar mais o poder de mensagem ao Parlamento do que tem sido usada pelos vários presidentes da República nos últimos anos. É um poder da Constituição mandar mensagens ao Parlamento sobre assuntos relevantes de interesse nacional. Há alguns assuntos que precisam de estar na agenda e que muitas vezes são esquecidos e eu vou usar isso.
Vai enviar a mensagem para marcar temas que considera importantes por na agenda?
Eu tenciono usar o veto político poucas vezes. O veto político deve ser muito seletivo, muito a título excecional. Um Presidente da República, de um modo geral, promulga as leis, mas não tem que concordar com elas. Mário Soares dizia isso muitas vezes e eu acho que ele tinha toda a razão. Agora, há duas ou três coisas que um presidente tem de fazer para ser útil ao país: primeiro, tem que ser exigente com o Governo, seja este Governo, seja qualquer outro, exigente a pedir resultados, a pressionar, a influenciar, não é estar a pedir a cabeça de ministros, nem a avaliar ministros, mas é pedir resultados; segundo, tem que ser útil com o Governo também, seja este ou qualquer outro, a ajudá-lo a resolver questões, o que muitas vezes passa por ajudar a fazer pontos com os outros partidos, em matérias que estão dificultadas ou em bloqueio; terceiro lugar, nesta parte que eu estava a falar de mensagem, [chamar] assuntos que estão esquecidos. O interior do país, normalmente, é esquecido, questões como o cidadão portador de deficiência, normalmente esquecido, problemas como os antigos combatentes e vários outros, são questões que o Presidente pode, por via de mensagem, não sei se é mensagem, não estou agora a dizer qual é a forma, mas deve colocar na agenda. Pensionistas e reformados, um tema essencial, porque ainda há pensões hoje de 300 euros, 400 euros, 500 euros. E às vezes estas pessoas são tratadas tipo números.
Ou em tempo de campanha eleitoral, se calhar?
Em campanha eleitoral, todos falam. Mas o importante é depois da campanha eleitoral. Ora, o Presidente tem que ajudar a dar voz a tudo isto. Nalgumas questões de relevante interesse nacional, tem que mandar mensagem ao Parlamento. Eu já disse outro dia, e repito, eu tenciono, nos primeiros meses, não será nas primeiras semanas, mas eu tenciono nos primeiros meses da minha presidência enviar uma mensagem ao Parlamento para se refletir sobre "Desafios económicos e sociais dos próximos dez anos". Para mim, o título é este. Porque, de um modo geral, nós em Portugal temos o hábito de só tratar os assuntos do dia a dia, da espuma dos dias. Esquecemo-nos que tem que haver um planeamento no mínimo de médio prazo. Ora, o Presidente é que tem que chamar a atenção para isso, porque senão a política está muito, muito fixada apenas no atrito do dia a dia e isso não interessa nada às pessoas.
E já tem esse documento preparado?
Tenho-o estruturado na minha cabeça, por isso até sei qual é exatamente o título: "Desafios Económicos e Sociais para os próximos dez anos". É, por um lado, para tratar de questões de médio prazo e não apenas de curtíssimo prazo, mas é também por uma outra razão, ambição. Nós temos que fazer um esforço ainda maior do que aquele que está a ser feito, no sentido de substituir a lamúria pela ambição.
Quando vemos um problema, um desafio, em vez de olharmos para ele como uma fatalidade, temos que o ver como uma oportunidade. E é esta perspetiva, desta mensagem ao Parlamento, que eu quero, ambição, perspetiva de médio prazo e numa lógica agregadora. Eu quero ser Presidente, não é do português, A, B ou C, eu quero ser presidente de todos, não é "dos puros contra os impuros", como alguém diz, dos bons ou dos maus, não, de todos. Eu quero ser presidente da República dos jovens, dos idosos, dos pensionistas, dos reformados, dos imigrantes, de todos os portugueses. É nessa perspectiva que quero fazer algumas mensagens.
No livro que publicou recentemente, Vital Moreira defende que deve haver uma clarificação dos poderes do presidente, numa provável revisão constitucional, limitando os poderes do presidente e reforçando a natureza parlamentar do regime. Concorda com esta ideia?
Não, não concordo. Tenho uma enorme estima pelo professor Vital Moreira, por uma razão que talvez desconheçam, é que eu fui aluno dele. Às vezes concordo, às vezes discordo, mas isso é a democracia a funcionar. Não, neste caso concreto não concordo. E não concordo por três razões muito simples. Primeiro porque eu acho que, felizmente, não há em Portugal, em 50 anos de democracia, nunca houve uma querela constitucional, ou melhor dizendo, desde 1982, desde a revisão constitucional de 1982. Portanto, o regime semipresidencial que temos vivido, de um modo geral, é consensual. É consensual, não estou a dizer que está toda a gente de acordo, até haverá monárquicos, evidentemente, e eu até costumo dizer aos monárquicos que encontro que também vou ser presidente deles, dos monárquicos e com todo o gosto. Agora, eu acho que de um modo geral, da esquerda à direita, há um certo consenso em torno deste regime, que é equilibrado. Então, não vamos mudar. Segundo, acho que nem acentuar a visão presidencialista, nem a visão parlamentar, seria um erro, uma e outra. Se se acentuar a visão presidencial, como alguns mais na direita radical defendem, acho que isso pode ser o primeiro passo para uma próxima ditadura. E eu acho que a nossa democracia pode precisar de aperfeiçoamentos, mas eu acho que as pessoas querem viver em democracia, não querem ditadura. Segundo, mas também se for um regime de parlamentarismo puro, pode-se dar o risco enorme que aconteceu na primeira República, o caos. Portanto, o melhor é manter este regime equilibrado. Em terceiro lugar, há também uma última divergência. Quer dizer, nós temos tantos problemas em Portugal e agora vamos inventar um novo problema? Acho que as prioridades em Portugal, com toda a franqueza, são resolver o pesadelo da habitação. É um pesadelo, sobretudo para os jovens, mas também para a classe média em geral. Resolver os problemas da saúde. Nós temos imensos problemas na saúde. Olhem para esta normalização, esta generalização que está a ser feita de partos fora das maternidades. Que aconteça um caso ou outro, de vez em quando, isso é compreensível, agora, isto está a ser generalizado. Então nós estamos a defender, por um lado, estímulos à natalidade e depois o exemplo que se dá às senhoras que estão grávidas, é o risco de poderem ter uma criança em qualquer sítio. Estes é que são os problemas. Habitação, saúde, imigração. Temos que ter mais regulação, mais integração e, já agora, também temos que tratar com sentido de humanidade os imigrantes, que são pessoas, não são números. Temos que ter uma preocupação especialíssima com os jovens. Nós temos uma geração altamente qualificada, mas continuam a emigrar, não porque queiram, mas porque temos salários baixos, portanto, nós temos de puxar pela economia para aumentar salários. Dei aqui quatro exemplos de coisas que eu acho que são prioridade. Agora vamos inventar a revisão constitucional? Acho que nenhum português compreenderia.Com todo o respeito pelo professor Vital Moreira, que é enorme, aí estamos, de facto, em divergência total.
Ao longo da sua carreira, defendeu a ética na política, tendo até sido penalizado numas eleições autárquicas por ter afastado autarcas envolvidos em casos de justiça. No momento presente, qual deve ser a bitola ética para quem tem cargos políticos?
Acho que temos que regressar, de facto, ao debate da ética. Sobretudo porque a ética não é apenas o respeito pela lei, é mais do que isso. Há comportamentos que às vezes até são legais, mas que são eticamente censuráveis. Foi isso que me levou, como recordou, há 20 anos, faz agora precisamente 20 anos, a olhar para alguns presidentes de câmaras, quando eu era líder do PSD, e que eram do PSD, até presidentes de câmaras muito conhecidos, com muito prestígio e com muito peso dentro e fora do partido, mas eu entendi que tinham problemas sérios com a justiça que não eram casos do ponto de vista ético corretos e afastei-os. Não quero aqui armar-me em o melhor de todos, porque não sou, sou uma pessoa igual aos outros, tenho qualidades e defeitos. Agora, acho que tive uma coragem que não tem havido. Sobretudo porque, normalmente, um político gosta de dizer ao partido ao lado o que deve fazer, mas não gosta de atuar dentro da sua própria casa, o que é mais difícil. Eu, provavelmente, se não tivesse feito isso, teria sido líder do PSD durante mais tempo, mas achei que às vezes é preferível perder uma eleição a perder a honra e a credibilidade. E hoje acho que há coisas inaceitáveis. A Assembleia da República não tem uma comissão de ética, tem uma comissão que se chama de transparência, mas trata de questões de incompatibilidade. Devia ter, do meu ponto de vista, defendo isto há 20 anos, não defendo agora, uma comissão de ética e essa comissão de ética ser constituída por senadores da República, ou seja, não eram os deputados, porque senão vão julgar-se a si próprios, o que não é bom. Isto devia existir. Segundo, sou defensor que haja algumas sanções e penalizações a deputados que têm comportamentos inqualificáveis, desviantes, como aquele deputado do Chega que roubava malas no aeroporto. Aquilo é uma comédia e uma tragédia ao mesmo tempo. Uma comédia porque toda a gente se ri quando se fala disso. Mas ao mesmo tempo é uma tragédia porque aquele homem, obviamente com o seu comportamento, ajuda a minar a imagem do Parlamento e da política em geral. Tem que haver sanções.
E para o caso de insultos também, como aconteceu recentemente?
Não vou concretizar, mas acho que o tema devia ser refletido. Ou seja, numa palavra, a ética não pode ser só para enfeitar os discursos. A ética tem que ser praticada. E julgo que tenho alguma autoridade moral e política porque tomei decisões na altura própria, não me limitei a falar, fiz.
Falemos um pouco dos seus adversários nesta corrida. Quando diz em relação a Gouveia e Melo que cada um deve estar no seu ramo, não está a fechar o campo político à participação de quem vem de fora da "bolha", ou seja, não está a limitar a entrada de novos protagonistas?
Não, porque eu não disse isso a respeito de Gouveia e Melo ser ou não ser candidato. Eu não tenho nenhum problema com ele ser candidato. Nunca na vida alguém me viu dizer, nem verá, dizer, "ah, este homem é um militar e, portanto, não deve ser candidato". Não, eu nunca disse isso. Houve pessoas que disseram isso.
Mas considera que ele tem falta de experiência?
Mas isso é objetivo, isso não é uma crítica. [tem falta] de experiência política, tem experiência militar, e muita, tem experiência para a vacinação, e teve um comportamento exemplar, que eu talvez fui no espaço público a pessoa que mais o elogiou. Agora, experiência política não tem. Nunca participou num Governo. Nunca esteve no Parlamento. Não tem ligação com os partidos. Não lida com a Constituição. Ora, a Presidência da República, do meu ponto de vista, e julgo que para a grande maioria dos portugueses é mesmo isto, a experiência governativa, a experiência parlamentar, a experiência partidária, a experiência da Constituição, isso não tem. Mas observar isto não é fazer nenhuma crítica, é uma constatação, toda a gente sabe que é assim. Tem o direito, evidentemente, a ser candidato, saudei-o na altura própria. Agora, evidentemente que lhe falta experiência política. E, portanto, para as pessoas que valorizam a experiência política, obviamente que este é um problema e é uma dificuldade. Porquê? Porque, veja bem, nós vivemos numa situação muito especial. É preciso que as pessoas tenham a noção. A situação internacional é uma situação muito difícil, nunca tivemos uma situação internacional tão difícil. No plano global, guerras militares e comerciais. E, cá dentro, com um governo que é minoritário.
E a fragmentação que existe...
E a fragmentação que existe. É preciso um presidente da República com experiência. Claro que pode haver muitas pessoas que não valorizam isso, e eu respeito. Agora, acho que a maioria dos portugueses percebe que numa altura de instabilidade lá fora, numa altura também que pode ser no futuro de potencial instabilidade cá dentro, não se pode ter um presidente que é um inexperiente. Se uma pessoa, um de nós, oxalá nunca aconteça, tiver um problema sério de saúde, nós temos muito respeito por todos os médicos, mas vamos querer porventura o mais experiente, o mais preparado, o que tem uma melhor prática. E é nesse plano que julgo que as questões devem ser avaliadas.
A eventual passagem, por exemplo, de André Ventura a uma segunda volta, seria uma prova de que o Centro já não segura o eleitorado? Representaria um risco para a democracia?
Quer dizer, riscos para a democracia evidentemente que há sempre, mas eu diria sobretudo para a qualidade da democracia. Nunca coloco as questões em termos de risco propriamente para a democracia, porque eu acho que não vai haver um golpe de Estado, nem vai haver uma situação que faz com que a democracia vire ditadura. Agora, pode haver riscos para a qualidade da democracia. André Ventura, já no dia a dia, pelo seu comportamento, é um risco para a qualidade da democracia. É para a qualidade da democracia, não estou a dizer que é para transformar a democracia em ditadura. Mas, evidentemente, a linguagem que usa muitas vezes, o tipo de atitudes que tem, até nos comportamentos que tem na Assembleia da República, não pode. Pode ter o tipo de linguagem que tem a abordar, por exemplo, as questões da imigração? Ele tem todo o direito de pensar de maneira diferente de outros, em matéria de regulação e de integração, com certeza, mas não pode, não deve ofender as pessoas. As pessoas sejam imigrantes, não sejam imigrantes, são cidadãos. São pessoas, e devem ser tratadas com sentido de humanidade. Agora, deixe-me dar o lado positivo e de esperança. Não sei se André Ventura passa ou não passa à segunda volta, porque tenho para mim que, verdadeiramente, ele nem sequer quer ser presidente da República.
Mas ambiciona chegar à segunda volta...
Sim, claro, eu acho que ele ambiciona chegar à segunda volta. Agora, ele não quer sequer ser presidente da República. Acho é que sou nestas circunstâncias a pessoa com melhores condições, digo, sem ponta de arrogância, para de facto evitar essa situação. Porque André Ventura é um radical, eu sou um moderado. André Ventura quer colocar portugueses contra portugueses. Não, eu quero unir os portugueses, ser agregador. Como já disse, quero ser presidente de todos, dos que votarem em mim e dos que não votarem em mim. Eu quero ter aqui um tipo de atuação na presidência da República que ajude a fazer consensos, convergências. Ele quer permanentemente apenas o extremismo. Portanto, eu acho que sou, no atual contexto, pela minha experiência, independência e capacidade de fazer consensos, aquele que mais pode evitar uma solução radical, extremista, que eu acho que manifestamente o país não quer.
O facto de, nesta altura, o PSD liderar o governo, liderar as regiões autónomas, a maior parte das autarquias também, é um trunfo para si ou arrisca-se, segundo aquela velha máxima da política, que os portugueses não gostem de colocar os ovos todos no mesmo cesto?
Se o Governo tivesse uma maioria absoluta, até poderia concordar com essa teoria, mas o problema é que o Governo é um Governo muito minoritário. O poder essencial em Portugal está onde? No Governo. O Governo tem maioria absoluta, como teve José Sócrates ou como teve Cavaco Silva? Não. O que é importante aqui, num Governo que é minoritário, é um presidente da República que esteja preparado para evitar crises. Se tivesse maioria absoluta, poder-se-ia dizer que havia alguma concentração de poder, mas é ultraminoritário. E, portanto, hoje o orçamento passou, daqui a um ano o orçamento pode não passar. E isso pode gerar uma crise política ou, pelo menos, fragilizar o Governo. Nós não podemos confundir situações que não são comparáveis. E, portanto, o ter ou não ter autarquias não tem nada a ver com esta questão essencial, o problema é saber que um Governo de maioria absoluta tem bastante poder. Um Governo minoritário tem pouco poder e é mais precário do que se imagina.
Compreende que ainda não tenha sido possível encontrar um consenso para a eleição do juiz do Tribunal Constitucional e para o topo da Provedoria de Justiça? Esta ausência de consenso dignifica as instituições?
Não, não dignifica as instituições, pelo contrário, faz com que as pessoas torçam o nariz à capacidade de os partidos se entenderem. Portanto, não é bom. Não é dramático, mas não é bom e, portanto, o que se espera é que agora que passaram as eleições autárquicas e agora que se está prestes a resolver também a componente orçamental, que os partidos se entendam e elejam os cargos que há a eleger.
Tendo em conta a configuração parlamentar, essa escolha deve envolver o Chega ou, como defende o PS, os dois terços podem vir da Iniciativa Liberal e do Livre?
Sobre isso não me posso pronunciar, não me devo pronunciar. Um presidente da República não pode ser comentador. Acresce ainda que isso é uma decisão eminentemente do Parlamento e dos partidos no Parlamento, e um presidente da República deve respeitar os outros órgãos de soberania.
Tem sido o Chega a ditar os termos em que se faz o debate sobre a imigração em Portugal? Considera que o Governo tem ido a reboque dessa forma de colocar o assunto na agenda política?
Há um bocadinho de exagero nessas análises. As duas leis mais importantes que foram aprovadas sobre essa matéria foram feitas com o Chega. Mas eu valorizo mais um outro ponto, que é o conteúdo das leis. Daqui a 10 anos, já ninguém se lembra quem aprovou aquelas leis. Agora, vamos analisar o conteúdo, é bom ou é mau? Para mim isso é a parte mais importante. Quer na lei dos estrangeiros, quer na lei da nacionalidade, acho que as leis tinham sérios problemas na primeira versão e acho que ficaram equilibradas na segunda versão. Quando eu digo equilibradas, não digo que sejam perfeitas, eu faria exatamente aquilo? Porventura, não, mas são equilibradas. Na primeira versão, teve que intervir o Tribunal Constitucional para transformar o desequilíbrio em equilíbrio e acho que a lei numa segunda versão ficou melhor.
Também se tirou de lá a parte que poderia ser inconstitucional...
Acho que isso foi uma medida importante. Hoje, quando se fala da Lei da Nacionalidade, já não se pode falar da tal sanção que é muito polémica e que essa sim pode ter problemas constitucionais. Mas já está no outro lado, já não está na lei da nacionalidade. Segundo, o Governo também tirou os efeitos retroativos à lei da nacionalidade. Terceiro, os prazos para requerer a nacionalidade, havia uma certa divergência entre PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e União Europeia, digamos assim, foram colocados na mesma posição. Portanto, eu acho que a lei ficou equilibrada. E, portanto, eu valorizo mais o conteúdo do que saber exatamente quem aprova. A única coisa que eu não aprecio é no discurso, há alguns exageros e que também vieram da parte de governantes. Não gosto, sei lá, um ministro que disse "Agora Portugal é mais Portugal".
Mas, então, é o Chega a ditar o ritmo do discurso?
Não, eu não diria que dita, mas pode às vezes influenciar e, portanto, eu acho que os conteúdos são corretos, mas acho que também é preciso ter atenção ao discurso. O discurso também é importante e por isso é que acho que o discurso correto em matéria de imigração é o discurso do humanismo, que era feito pelo Papa Francisco. O Papa Francisco dedicou uma grande atenção aos imigrantes e isto é também a visão da doutrina social da Igreja. Ora, como eu sou uma pessoa, digamos assim, da direita, mas da direita social, moderada, que pensa na justiça social, acho que também aqui tem que haver regulação, com certeza. Isto não pode haver portas escancaradas. Não podem entrar todos, mas não pode haver uma atitude um pouco provocadora e desumana em relação a portugueses que estão a ajudar a desenvolver a economia nacional, e muito.
Sobre a perda de nacionalidade no caso de crimes graves, entende que o Estado deve olhar para os portugueses de nascença e os portugueses naturalizados de forma diferente?
Essa medida desapareceu da lei da nacionalidade, isso foi muito positivo, e passou para o Código Penal. Agora, reconheço que essa medida continua a ser polémica. Reconheço que a medida pode ter problemas constitucionais, isso não tenho grandes dúvidas. Mesmo que vá ao Tribunal Constitucional e seja eventualmente declarado inconstitucional, já não afeta a lei da nacionalidade, porque já está noutra lei e esse foi o aspeto positivo. Agora, evidentemente que é uma norma polémica. E há uma coisa que eu gostava de dizer que nunca ninguém diz. Às vezes, quando algumas pessoas falam muito bem dessa norma, até dá a impressão que os imigrantes, se forem condenados, não vão para a cadeia. Não, é como qualquer português, se um português for condenado a pena de prisão, vai para a cadeia, se for um imigrante condenado a pena de prisão, também vai para a cadeia. Às vezes parece que o imigrante fica solto e o português fica na cadeia. Não, são todos iguais. Portugueses e imigrantes, a partir do momento em que estão em Portugal e designadamente são cidadãos portugueses, têm as mesmas regras. Portanto, um imigrante, se cometer um crime, vai para a cadeia como um português. Ponto final.
Todos os indicadores mostram que o Norte, nomeadamente o Interior Norte, está na cauda do poder de compra, dos rendimentos. Como é que um Presidente pode contribuir para alterar este cenário?
Na coesão territorial, ou seja, a coesão entre regiões, como na coesão social, o presidente pode fazer muito, sem demagogia. Um presidente da República não governa, um presidente da República não faz leis. Agora, um presidente da República, como sempre tenho dito, pode fazer duas coisas: ajudar o Governo a tomar posições; pressionar na tomada de decisões e muitas vezes usar a palavra para desbloquear situações. Acho que tem que haver mais equilíbrio na distribuição dos recursos. Rui Moreira, antigo presidente da Câmara do Porto, meu mandatário, uma figura de grande qualidade, uma pessoa de grande visão dizia há pouco tempo, numa entrevista, que o país está mais centralista hoje do que há 12 anos, quando ele iniciou funções. Concordo totalmente com ele. O país está muito centralista. E isso não é bom, isso não ajuda a desenvolver as regiões. E, portanto, acho que um presidente da República tem que ajudar a que o Governo seja, e os partidos, mais descentralizadores, menos centralistas, passarem mais poderes para as regiões e para os municípios. Esse é um papel fundamental. A descentralização é uma realidade consensual em Portugal. As pessoas pensam que é fácil. Não, não é. Tem que haver coragem. Porque há sempre umas pessoas que não dão a cara, dentro da administração pública, que estão ali ou a criar burocracia por um lado, ou a criar centralismo por outro, ou a criar as duas coisas.Nós temos de ter uma vontade mais descentralizadora.
Que lições tirou dos 15 anos em que esteve no Conselho de Estado que lhe possam ser úteis caso chegue a desempenhar o cargo de presidente?
Foi uma lição fantástica.Tive a vantagem de estar no Conselho de Estado com três presidentes da República bem diferentes, Jorge Sampaio, depois Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, e devo dizer que Marcelo Rebelo de Sousa desenvolveu muito o Conselho de Estado. Antigamente, só havia reuniões praticamente uma vez por ano, agora quatro por ano, até com convidados estrangeiros, de uma grande utilidade. O Conselho de Estado ajudou, nos últimos anos, a resolver alguns problemas sérios do país em matéria de estabilidade e o papel mais importante que apresenta a República é defender a estabilidade. A estabilidade não é uma questão assim tão importante para os políticos, a estabilidade é importante para as pessoas. É que se não houver estabilidade e houver crise política, os pensionistas e reformados são esquecidos, os jovens passam para segundo plano, só fica a luta política.
Pondera levar alguém mais jovem para o Conselho de Estado?
Sim, é um compromisso que já assumi. Faz-me uma enorme impressão no Conselho de Estado, que muita gente fala dos problemas dos jovens, dos desafios dos jovens, mas não há ali um jovem para dar o seu testemunho. É tudo gente acima dos 60 anos.
E já tem o nome?
Não tenho sequer nome nenhum, mas tenho um compromisso, sou o único candidato a presidente da República de Portugal que tem um compromisso: nos cinco nomes que eu tenho que designar para o Conselho de Estado, um será um jovem. Faz-me enorme impressão porque é preciso gente mais velha, senadores, sem dúvida, mas convém ter a energia e o caráter inspirador de um jovem, e portanto um jovem vai para o Conselho de Estado. É isto que vai resolver os problemas dos jovens? Não, mas é valorizar a juventude, dar outra importância aos jovens e dar sensibilidade aos jovens, também no Conselho de Estado, onde se travam os debates mais importantes do país.