"Podem esperar sentados porque vou cumprir o meu compromisso até ao último segundo"
Rio quer reinventar a Festa do Pontal, mas precisa de começar pela relação com o partido. Anunciou que o governo não tem a vida facilitada a não ser que o PSD deixe. E fez oposição sobretudo aos opositores internos, a quem deixou um aviso: não aceita que seja o PSD a empurrar o PS para a vitória.
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Era um dos discursos mais esperados do final do verão: não só porque marcava o regresso do protagonista do PSD aos palcos políticos - depois de um mês de silêncio - mas também porque se esperava por uma reação oficial a algumas das polémicas do momento. E Rui Rio pode ter chegado tarde, mas falou de quase todas. A verdadeira surpresa foi que o líder da oposição resolveu fazer oposição... aos seus opositores dentro do PSD.
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No discurso desta tarde em Querença, no interior do concelho de Loulé, onde começou por elogiar as mudanças introduzidas à festa para recuperar o "verdadeiro Pontal", explicou que o partido não estava ali para "fazer uma montagem para a imagem televisiva", e declarou sentir-se "muito melhor numa coisa sincera, tradicional e genuína do que estar numa praça cheia de pessoas para dar na televisão."
Lembrou o ano de 1995, quando a festa algarvia se tornou "a maior degradação. Assistimos na televisão à disputa entre PSD e PS para ver quem tinha não as melhores propostas, mas o maior número de camionetas. Um espetáculo descredibilizador. Em 1996, já com Marcelo Rebelo de Sousa como líder e eu como secretário-geral, decidimos pôr um travão nisto. E voltarmos a fazer uma festa genuína. Comprei na altura até umas chuteiras para jogar futebol, como hoje."
Mas Rio tinha algo mais a dizer sobre as mudanças na rentrée do PSD. "Gastar 80 mil euros a carregar militantes para uma praça, apenas para as imagens na televisão, e deixar os credores à porta, não é correto. Depois do partido ter recuperado as finanças do país, de termos esse orgulho, e bem, não vamos agora fazer o contrário."
O líder do PSD exige parcimónia nos gastos e um regresso às origens, a "uma festa do povo e para o povo, um convívio genuíno, como no tempo de Francisco Sá Carneiro, que foi com ele que o Pontal nasceu."
Justificada a mudança de cenário, Rio parte descola em direção ao futuro. Vem aí um "ano extraordinariamente importante com três eleições: europeias, legislativas e regionais da Madeira. O nosso objetivo é ganhar as três eleições. E precisamos de lealdade e companheirismo entre nós." O recado inicial estava dado, mas no discurso de Rio, ainda era cedo para a frente interna.
"Cada vez mais portugueses se apercebem dos falhanços desta governação. Há um ano havia menos pessoas a perceberem. E temos à nossa frente um caminho que nos é favorável", referiu o Presidente do PSD.
Com listas de espera de mais de 200 mil pessoas para uma cirurgia, mais de um ano para consultas, ("e estou a ser prudente, advertia Rio), com condições nas urgências piores para utentes e trabalhadores, e mais de 700 mil cidadãos sem médico de família, o líder do PSD usou os dados do Serviço Nacional de Saúde como munições contra a atual governação.
"Um dos governos mais à esquerda do pós 25 de Abril enche a boca com o social, mas não consegue resolver e até agrava os problemas" disse, acrescentando com ironia "percebo que o primeiro-ministro, perante um comboio de militantes, tenha dito que o PSD queria privatizar a saúde e fazer uma saúde para ricos e outra para pobres. Eu sei que ele não acredita nisto. Eu sou social democrata ainda antes do 25 de Abril. Não sou liberal nem socialista. E o que quer isto dizer? Defendo a iniciativa privada mas não rejeito a intervenção do Estado quando é preciso. E na saúde é preciso. (...) O primeiro-ministro escusa de agitar o papão."
Rio puxou ainda dos galões de economista para criticar as notícias recentes que dão conta do crescimento do país. "Ontem ouvimos o contrário do que devíamos ouvir, porque estamos a degradar a nossa balança comercial. Temos de ter as exportações superiores às importações, mas a economia cresceu por causa do consumo privado. Estamos a caminhar ao contrário. Pior, só se o crescimento fosse do consumo público."
E admitiu que o desconto de 50% no IRS proposto pelo governo para atrair e recuperar os emigrantes até podia ser uma boa ideia, mas vai ser totalmente ineficaz. "Porque eles (os emigrantes) só regressam quando a economia lhes der empregos e salários decentes. O emprego tem crescido, mas cresce mais do que a produção, logo a produtividade baixou, logo os salários baixam. Como é que se altera isto? Com reformas estruturais."
E como o executivo de António Costa, na sua opinião, não faz qualquer tipo de reformas, estamos perante o "esgotamento desta solução política, que só apareceu para evitar que o PSD fosse governo. Não os une um projeto comum para o país."
Rio acrescenta que não é só aí que há divergências. "Temos um governo com dois discursos diferentes. O ministro das finanças faz cativações orçamentais, corta verbas ao SNS, estrangula a CP, aumenta a carga fiscal e agora até adere a saídas limpas, que até há pouco tempo criticava. Pratica a austeridade porque é isso que colhe aplausos em Bruxelas. O primeiro-ministro diz que acabou a austeridade, dá bónus a emigrantes, apoios às artes.(...) O governo tem dois discursos completamente diferentes", avisando que os portugueses vão perguntar qual é o verdadeiro discurso, "quanto mais não seja nas eleições".
A ausência do líder do PSD durante o incêndio de Monchique obrigou-o a mais justificações: "Em pleno incêndio não fazemos debates nem usamos coletes no meio das chamas a criticar o governo, é uma falta de respeito, não se faz. Mas isso já passou e agora podemos fazer o balanço. O balanço do governo é que foi uma vitória porque não morreu ninguém. Extraordinário."
Rio não tem dúvidas de que falhou a coordenação, porque apesar de terem estado disponíveis meios de combate nunca antes vistos, o governo deixou lavrar o incêndio durante uma semana, o que somou 27 mil hectares ardidos. "Como não morreu ninguém, para eles foi um alívio. Mas os portugueses não sentiram nenhum alívio, sentiram foi a incapacidade de gerir aquilo, mesmo depois da infeliz experiência de 2017. Poupar as vidas humanas é o mais importante, mas ficar contente só com isso é poucochinho", afirmou.
Um dos momentos mais aplaudidos do discurso chegou já na reta final, quando o líder deu o corpo às balas e resolveu enfrentar o fantasma da oposição interna. "Este governo não tem assim a vida tão facilitada até às legislativas de 2017. Só terá se nós quisermos. Por isso, não posso aceitar que haja quem dentro do PSD esteja através das criticas internas a proteger o PS e a salvaguardar a vitória do PS."
Em resposta aos que criticaram a sua ausência do palco político nos últimos tempos, o seu silêncio sobre Monchique, os problemas na CP, um partido sem voz ativa, Rio respondeu: "Estão a tentar evitar que o PSD ganhe as eleições. Críticas sinceras eu aceito, mas estas são táticas ao serviço de interesse pessoais." Sem nunca referir nomes, deixou ainda um aviso: "Ao longo da minha vida cumpri sempre a minha palavra e levei mandatos até último dia. (...) Podem esperar sentados porque vou cumprir o meu compromisso até ao último segundo." E de novo, recado para consumo interno: "Defender o seu lugarzinho e o do amigo é lícito, mas comigo defendem com trabalho e lealdade. Não com conspiração nem intrigas nos jornais."
Rio admitiu ainda que sabe que aceitou um lugar "dificílimo, mais ainda quando se tem um estilo diferente do que o partido estava habituado", e que só o fez por causa do país. Começou a manhã a perder num jogo de futebol, mas à tarde já dava uns passinhos de dança , no aquecimento para o discurso que chegou, tal como prometido, curto e adequado a uma festa do partido. Só não se conhecem - ainda - as reações do partido ao discurso do líder.