"Deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não a violência"
A resposta do primeiro-ministro à questão da violência no bairro da Jamaica, colocada por Assunção Cristas, mereceu pateadas por parte de muitos deputados. Na reação, Assunção Cristas concluiu: "Não respondo ao seu comentário, porque fiquei com vergonha alheia."
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Na bancada do CDS-PP, a meio do debate, Assunção Cristas começou por voltar à carga com os resultados preliminares da auditoria à Caixa Geral de Depósitos, que revelaram que os gestores receberam prémios de gestão em anos de prejuízo e que operações de risco elevado foram aprovadas.
"O Governo mandatou a Caixa para fazer uma auditoria e depois não quis saber dessa auditoria. Achamos estranho que o Governo não queira saber o que lá vem", disse a líder do CDS-PP, que lamentou: "O Governo não sabe, não quer saber e não deixa que os outros saibam", e acrescentou: "Não quer escrutinar aquilo que levou a Caixa a decisões difíceis".
Assunção Cristas perguntou ainda a Costa se "vai ou não vai permitir o envio do relatório" para o parlamento. Na resposta, António Costa atirou ao Governo PSD/CDS-PP. "Porque é que foi preciso esperar que este Governo tomasse posse para que, em junho de 2016, fosse pedida uma auditoria, quando não foi pedida durante os quatro anos em que o seu Governo esteve em funções".
"Como é que a senhora, que esteve durante quatro anos num governo que nada fez não tem o mínimo de decoro para nem sequer nos colocar a questão aqui na Assembleia da República", disse Costa, que insistiu: "A paciência tem limites, indigno-me sim, era ministra de um governo que, em 2012, injetou mais de 1500 milhões de euros sem qualquer auditoria".
Mas, se o diálogo entre Costa e Cristas já mostrava alguma crispação, foi com o tema da intervenção policial no bairro da Jamaica, no Seixal, que a conversa atingiu níveis de exaltação pouco vistos. A líder do CDS-PP - partido que, tal como o CDS-PP, apresentou voto de condenação "pelos recentes episódios de violência e solidariedade às forças de segurança" - perguntou a Costa se condenava ou não a situação.
"Está a olhar para mim, deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno", respondeu, exaltado, o primeiro-ministro, numa resposta recebida por pateadas por parte de muitos deputados.
Na reação, Assunção Cristas concluiu: "Não respondo ao seu comentário, porque fiquei com vergonha alheia".
O momento levou o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a pedir contenção aos deputados e também ao primeiro-ministro.
"Temos todos que ter calma e moderação, deputados e o senhor primeiro-ministro. Peço que este tipo de conclusões não sejam usadas neste debate", sublinhou Ferro Rodrigues, numa tentativa de acalmar os ânimos e apelar à serenidade.
Pelo BE, Catarina Martins levou para debate a questão da intervenção policia no bairro da Jamaica e, afirmou: "Também eu me revejo nas declarações de Carlos César, quando dizia, referindo-se a um caso de violência no Porto, que situações destas não devem ser subestimadas, devem ser sobrevalorizadas".
Em junho de 2018, Carlos César exigiu que o Governo atuasse junto das forças policiais para que houvesse consequências da agressão "racista" de que foi vítima uma jovem colombiana violentamente agredida e insultada por um segurança ao serviço dos Transportes Coletivos do Porto.
Sobre a intervenção policial, adiantou ainda que as "ações dos que cumprem as funções não devem ficar manchadas pela impunidade daqueles que não cumprem as suas funções".
Outro dos temas assinalados pelo BE durante o debate foi o da privatização dos CTT, com Catarina Martins a perguntar pelas conclusões do grupo de trabalho criado, há mais de um ano, pelo Executivo do PS para analisar o serviço prestado pelos CTT no âmbito da concessão do serviço postal universal.
"Compete-nos a nós decidir quando, para o ano, o contrato estiver esgotado", disse António Costa. "Os CTT voltam a ser públicos?", insistiu a coordenadora do BE, com Costa a responder que a decisão será tomada "em meados de 2020".
Na bancada socialista, a intervenção foi feita pelo líder parlamentar, Carlos César, que lembrou a crise interna do PSD e o desafio de Luís Montenegro a Rui Rio, assinalando um "rearranjo vocal" nos social-democratas, acrescentando: "No PSD, tudo o que é mau é sempre culpa do Governo, o que é bom é obra do acaso ou eleitoralismo".
O socialista, que defendeu que o "Portugal de hoje, com o atual Governo, é bem melhor, muito melhor do que o país que encontrámos no início da legislatura" acusa ainda os dirigentes do PSD de serem "locutores do infortúnio, que "nem sequer se ocupam com a virtude de alerta".
Na reação, António Costa referiu que as desigualdades diminuíram em 2016 e 2017, mas que, ainda assim, os números não satisfazem, afirmando: "O país está melhor do que estava, mas não é ainda o país que ambicionamos. Estamos melhor, mas temos de continuar a trabalhar".
Segundo Costa, no início da atual legislatura, os partidos da direita acusavam o PS de "ter uma estratégia económica que iria conduzir à bancarrota, dando tudo a todos e com um investimento público brutal", criticando agora o Governo do PS por "falta de investimento público e por não darmos tudo a todos".
Pelo PSD, Fernando Negrão, sublinhou que os social-democratas não se reveem em práticas racistas, mas que também "não se revê em ameaças às forças de segurança". "Houve uma precipitação insultuosa do Bloco de Esquerda contra a PSP, de tal modo que o deputado Carlos César, seu líder parlamentar, e bem, afirmou que as palavras de dirigentes estão a perturbar a ordem pública", afirmou o líder parlamentar.
Assinalando a "reação condenável" por parte do Bloco de Esquerda, que, diz Negrão, tem "responsabilidades na sociedade portuguesa", o PSD questionou Costa se estaria, ou não, de acordo com as palavras do líder parlamentar. O primeiro-ministro admite que "quase sempre" está de acordo com César, e pergunta: "Qual é a dúvida?".
Mas, acrescenta: "Não vamos desvalorizar qualquer ato de incivilidade ou violência, mas também não o vamos dramatizar, o mesmo em relação às forças de segurança.
O PSD levou ainda para o debate a questão da mortalidade infantil, depois de, esta semana, se ter sabido que do aumento da taxa em 2018 - de 2,69 por mil nascimentos vivos, em 2017, para 3,28 por mil nascimentos. Fernando Negrão acusa o Governo do PS de estar a destruir o Serviço Nacional de Saúde. Segundo António Costa, a Direção Geral da Saúde está a "avaliar as causas", para que sejam colocadas em prática as políticas necessárias.
Outro dos temas em debate foi a "falta de medicamentos" reportada pelas farmácias, em números que terão atingido um valor recorde no ano passado. Por diversas vezes, o líder parlamentar do PSD questionou o primeiro-ministro, que respondeu: "A causa das farmacêuticas pode ser a sua causa, mas não é a nossa".
"O senhor primeiro-ministro tem pelos no coração. Sabe o quer dizer? Que é insensível", atirou Negrão, que acusa Costa de seguir um "discurso neoliberal" e de não querer alterar a política do medicamento.
Jerónimo de Sousa desafia António Costa a fazer regressar a gestão dos CTT para mãos públicas, denunciando a quebra de qualidade dos serviços prestados e o encerramento de postos por todo o país. O primeiro-ministro, António Costa, diz que "é preciso que não haja precipitação".
"Temos que cumprir as regras. E, sobretudo, não nos colocarmos na posição de oferecer ao privado desculpas de imputar ao Estado o incumprimento contratual que tem que ser ser escrupulosamente cumprido. E temos todos que esperar que a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) mantenha uma atitude exigente", responde António Costa, que considerou que os CTT estão a ser "mal geridos".
"Este é um bom exemplo como a privatização de serviços públicos tem um grande peso para a coesão do país. Temos que cumprir o contrato, avaliar e decidir", defende ainda o líder do Governo.
No debate, o PCP apontou ainda as dificuldades materiais e logísticas na segurança interna, depois de dias de tensão entre PSP e moradores do bairro da Jamaica (vale de Chícharos, no Seixal) e protestos contra o racismo das autoridades policiais e atos de vandalismo na Grande Lisboa e Setúbal.
Sobre este assunto, Costa adiantou que nos próximos dois anos haverá "condições de dignidade e habitabilidade" para os atuais moradores do Jamaica, que estão a ser realojados e "melhores condições" para os serviços e forças de segurança.
Já perto do final do debate, o deputado único do PAN, André Silva, questionou o primeiro-ministro sobre "um possível crime ambiental: a Barragem do Fridão que, a ser construída, estará a 6 quilómetros de Amarante e, em caso de colapso, o tsunami inundaria o centro da cidade em 13 minutos". André Silva questionou se "a avaliação está feita e quando é que o documento será tornado público".
"A decisão está suspensa até ao dia 19 de abril", respondeu António Costa que detalhou que nessa altura será apresentada a avaliação e o suporte documental para essa avaliação.
Antes, Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista "Os Verdes", insistiu também na questão dos CTT e da necessidade de nacionalizar os Correios de Portugal, com o primeiro-ministro a responder: "Hoje devemos dizer uma coisa muito simples. Os CTT estão obrigados a um contrato com o Estado. Têm de cumprir escrupulosamente esse contrato".
E referiu que cabe à ANACOM avaliar e dar instruções. "Hoje é isso que devemos dizer".