O Presidente da República devolveu, esta sexta-feira, sem promulgação, o decreto-lei que propõe o levantamento do sigilo bancário, considerando que é de uma "inoportunidade política".
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Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota publicada no site oficial da Presidência da República, apresenta várias objeções ao decreto-lei do Governo.
"A decisão quanto a este decreto baseia-se, antes do mais, na sua patente inoportunidade política", afirma o Presidente da República (PR).
Na mensagem, o chefe de Estado acrescenta: "Vivemos num tempo em que dois problemas cruciais, entre si ligados, dominam a situação financeira e económica nacional. O primeiro é o de que se encontra ainda em curso uma sensível consolidação do nosso sistema bancário".
"O segundo, com ele intimamente ligado, é o da confiança dos portugueses, depositantes, aforradores, e investidores, essencial para o difícil arranque do investimento, sem o qual não haverá nem crescimento nem emprego, nem sustentação para a estabilização financeira duradoura", completa Marcelo Rebelo de Sousa.
O PR sublinha ainda que a lei propõe o levantamento do sigilo a contas com mais de 50 mil euros, mas não exige qualquer "indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património".
É este um dos pontos que suscita mais objeções a Marcelo, que defende que já existem "numerosas situações em que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode aceder a informação coberta pelo sigilo bancário, sem dependência de autorização judicial".
Reações partidárias ao veto de Marcelo
O porta-voz do CDS-PP, João Almeida, defende que o Governo deve recuar perante o veto do Presidente da República. "Tudo isto era dispensável e sendo dispensável, podia ter sido evitado mais uma perturbação no clima económico em Portugal, porque era evidente que esta medida não tinha quaisquer condições para avançar", afirmou João Almeida.
Já o PCP considera que o Presidente da República usou as suas "capacidades" ao vetar o decreto do Governo sobre acesso do fisco a contas bancárias, mas defende a agilização do levantamento do sigilo, mas com critérios especificados.
Esta posição foi transmitida aos jornalistas pelo deputado comunista Miguel Tiago que sublinhou também que "apesar de ter sido um decreto do Governo, que não passou pela Assembleia da República (a não ser numa autorização legislativa dada no anterior Orçamento), cabe agora ao executivo julgar se entrega ou não uma proposta de lei no parlamento, ou se faz ou não um ajustamento a condições que possam resultar da mensagem do Presidente da República".
Pelo Bloco de Esquerda, o líder parlamentar considerou ser "incompreensível" que o Presidente da República tenha feito um "veto político" de um diploma sem problemas jurídicos nem constitucionais.
"A lei estava no ponto correto. O que para nós é incompreensível é que o Presidente da República tenha vetado a lei não por problemas jurídicos, não por problemas constitucionais, mas por visão política sua. Por isso, este é um veto político, por divergir da necessidade que temos de levantar o sigilo bancário para garantir o combate a fraude e evasão fiscal", afirmou Pedro Filipe Soares.
O PSD opta por deixar um aviso: se o Governo insistir nesta "iniciativa errada" o partido utilizará "todos os meios parlamentares, legais, constitucionais" para travar este "ataque às poupanças".
"Não insistam nesta iniciativa porque o PSD será contra. E, se insistirem, não só seremos contra, como usaremos todos os meios parlamentares, legais, constitucionais para travar este ataque, esta suspeita insensata sobre quem poupa o produto do seu rendimento e das suas poupanças", advertiu o vice-presidente da bancada do PSD, António Leitão Amaro, em declarações aos jornalistas no parlamento. Leitão Amaro defendeu ainda que o diploma do executivo mereceu ser "travado", porque "era uma decisão insensata".
Outras reticências da presidência
Marcelo invoca ainda o parecer negativo da Comissão Nacional de Proteção de Dados que defendeu que havia "restrição desnecessária e excessiva dos direitos fundamentais à proteção de dados pessoais e à reserva da vida privada, em violação clara do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa".
O Governo terá agora de trabalhar num novo diploma que possa ir mais ao encontro das expectativas do Presidente da República.