Socialistas entregaram no parlamento um diploma que propõe que a morte antecipada fique sujeita a parecer favorável de até três médicos e de uma comissão de avaliação. IGAS vai fiscalizar processo.
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O PS entregou, esta sexta-feira, na Assembleia da República, o projeto de lei da despenalização da eutanásia, regulando as condições da prática de antecipação da morte "por decisão própria da pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal".
No projeto de lei a que a TSF teve acesso e que surge depois de o líder parlamentar, Carlos César, ter afirmado que merece "um largo consenso" entre os deputados socialistas, o PS propõe que o processo seja acompanhado, no mínimo, por dois médicos (ao contrário do diploma do BE, que prevê que três médicos tenham de dar o aval) e que o doente tenha de reiterar a vontade em pelo menos cinco ocasiões, sendo que o diploma prevê que a antecipação da morte possa ocorrer de duas formas: através da autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente" ou da administração por um profissional de saúde.
No texto, de quase 30 páginas, os socialistas estabelecem que sejam necessários dois médicos para iniciar e acompanhar o processo: um médico escolhido pelo doente, que irá servir de "médico orientador" (que é "obrigado a prestar ao doente toda a informação sobre a situação clínica, os tratamentos ou a esperança de vida da sua condição clínica), e um médico especialista na patologia que afeta o doente, que fica responsável por dar, ou não, um parecer favorável.
Mas, no caso de um dos dois médicos ter dúvidas sobre a "capacidade do doente para solicitar a antecipação da morte" ou em caso de "perturbação psíquica que afete a capacidade de tomar decisões", é necessária a participação de um terceiro médico, sendo obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria.
Durante todo o processo, no qual o doente é obrigado a dar aval aos procedimentos por cinco vezes - uma das quais na presença de pelo menos uma testemunha -, os profissionais de saúde são obrigados a registar todos os passos num Registo Clínico Especial em que deve constar toda a informação sobre os procedimentos que, em todo o momento, são fiscalizados pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) que, em caso de incumprimento, pode determinar a "suspensão ou cancelamento".
PS propõe comissão de cinco "personalidades de reconhecido mérito" para verificar e avaliar procedimentos
À semelhança do que acontece no diploma do Bloco de Esquerda, no projeto de lei a que a TSF teve acesso, os socialistas propõe a criação de uma Comissão de Validação e Verificação do Procedimento Clínico de Antecipação da Morte, que será constituída por cinco "personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento relacionadas" com a aplicação do diploma.
Da comissão, que irá funcionar no âmbito da Assembleia da República, fazem parte dois juristas - um indicado pelo Conselho Superior da Magistratura e outro pelo Conselho Superior do Ministério Público -, um médico e um enfermeiro indicados pelas respetivas ordens, e ainda um especialista em bioética escolhido pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Quanto ao local escolhido para o ato, segundo o diploma socialista, é indicado pelo doente, ou seja, até mesmo em casa, desde que com as condições adequadas. "Por vontade do doente, o ato de antecipação da morte pode ser praticado no seu domicílio ou noutro local por ele indicado, desde que o médico orientador considere que o local dispõe de condições adequadas para o efeito em termos de conforto e segurança clínica", pode ler-se no projeto de lei do PS.
Outro dos pontos do diploma socialista prende-se com o estado de inconsciência do doente, sendo claro que se a pessoa ficar "inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte", o procedimento é interrompido - só se realizando se o doente recuperar a consciência e mantiver a decisão. Neste caso, o projeto de lei do BE prevê que o processo possa prosseguir se antes tal ficar expresso num"testamento vital."
No momento de ser concretizada a antecipação da norte, o médico orientador deve confirmar se o doente mantém essa vontade - isto na presença de uma ou mais testemunhas.
Profissionais podem alegar "objeção de consciência"
De acordo com o projeto de lei do PS, podem "praticar ou ajudar ao ato" de antecipação da morte os profissionais de saúde inscritos na Ordem dos Médicos e também os inscritos na Ordem dos Enfermeiros - estes no caso de a intervenção decorrer "sob supervisão médica. No diploma fica ainda assente que ficam excluídos aqueles que "possam vir a obter qualquer benefício direto ou indireto da morte do doente", como por exemplo, vantagem patrimonial.
O projeto de lei permite ainda que nenhum médico possa ser obrigado a "praticar ou ajudar ao ato", sendo assegurado o direito à "objeção de consciência". Os profissionais têm, no entanto, de informar sobre a recusa num prazo não superior a 24 horas.
PS considera que referendar a despenalização da eutanásia não é opção
O PS quer avançar com a discussão e aprovação da despenalização da eutanásia até ao verão, ou seja, até ao final da atual sessão legislativa. Quanto a um referendo, não é opção: "Entendemos que esta matéria não deve ser objeto de referendo", disse, na semana passada, o presidente do grupo parlamentar do PS, Carlos César, que confirmou a liberdade de voto na bancada socialista.
No projeto de lei a que a TSF teve acesso, os socialistas adiantam ainda que pretendem a "construção de um consenso o mais alargado possível em sede parlamentar e junto da sociedade portuguesa".
Além do PS, também o BE e o PAN já apresentaram diplomas sobre esta matéria. Segundo apurou a TSF, Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) prepara-se para apresentar um projeto de lei no final da próxima semana.