"A causa que mais me tem motivado é a da luta pela liberdade de expressão e de informação." Morreu Francisco Pinto Balsemão
Das reações a quem era Francisco Pinto Balsemão fica uma só palavra: "Liberdade". O fundador e militante do número um do PSD, também antigo primeiro-ministro, morreu esta terça-feira, aos 88 anos
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Francisco Pinto Balsemão foi comendador, primeiro-ministro, magnata da comunicação social, jornalista, conselheiro de Estado, advogado, político e mais ainda. Nasceu em Lisboa, em 1937, e foi educado em casa até aos 10 anos. Depois de passar pelo Liceu Pedro Nunes, tirou a licenciatura em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
A meias com advocacia, entrou para a redação do Diário Popular, um jornal controlado pelo tio, mas que, anos mais tarde, viria a ser liderado por Balsemão. Antes esteve em Paris a cobrir as manifestações do maio de 68. Das crónicas que enviou, nenhuma escapou ao lápis azul da censura. Em 2021, quando lançou o seu livro de memórias, Francisco Pinto Balsemão contou que toda a vida procurou combater esse controlo
Ao longo da minha já longa vida, a causa em que mais me tenho empenhado, a causa que mais me tem motivado é a da luta pela liberdade de expressão e pela liberdade de informação.
Foi um combate que travou enquanto jornalista, mas também como político, quando foi deputado em 1970, já com o Marcelo Caetano à frente do regime. Francisco Pinto Balsemão concorreu nas listas do Partido Único, a União Nacional, mas fazia parte do movimento renovador, a ala liberal.
Enquanto deputado e juntamente com Sá Carneiro, trabalhou num projeto de lei para a imprensa que pretendia alinhar o jornalismo em Portugal com aquilo que se fazia na Europa Democrática, com estatutos editoriais e conselhos de redação, por exemplo. A Assembleia acabou por nem sequer votar esse projeto de lei. Acabou por se desencantar com a primavera marcelista e deixou de acreditar numa transformação pacífica do Estado Novo.
Balsemão virou as costas à Assembleia Nacional e, em 1973, fundou o Expresso. Aí os problemas com a censura continuavam: o lápiz azul tinha mudado de nome para exame prévio, mas o cheiro era o mesmo.
Havia fases de verdadeira paranoia, ou seja, eles começavam a cortar de qualquer maneira. Estavam sem contemplações, sem explicações, havia temas políticos nacionais. Tudo o que era guerra colonial era muito, muito, muito, muito complicado e era normalmente deputado e às vezes dependia da conjuntura internacional, dependia do voto contra Portugal nas Nações Unidas, dependia do que acontecia em Espanha, que havia sempre este paralelo, notícias da União Soviética. Eu lembro-me que houve um jogo Portugal-Alemanha do Leste e nós ganhámos. O jornalista que lá foi, escreveu que a Alemanha do Leste tinha jogado muito bem. Cortaram que a Alemanha do Leste não podia jogar bem futebol, porque era um país populista. As coisas chegavam a este grau de loucura.
O jornal tinha de ser refeito tantas vezes que atrasava, às vezes demais, o envio para a rotativa.
O Exame Prévio quase matou o Expresso, mas a bem do semanário e da democracia, lá se fez o 25 de Abril. Em maio, Balsemão, juntamente com outras figuras, estava a fundar o PPD (mais tarde, o PPD-PSD).
O anúncio da criação do partido foi feito em conferência de imprensa a 6 de Maio de 1974 e a três vozes: Francisco Sá Carneiro, Joaquim Magalhães Mota e o membro número um do partido, Francisco Pinto Balsemão. Os três falaram sobre o porquê da criação do Partido Popular Democrático. A Balsemão coube a independência das colónias e o fim da guerra.
Em 1979, com o Sá Carneiro na liderança da coligação AD, a Aliança Democrática ganha as eleições com maioria. Balsemão nunca se candidatou à liderança, até 1980, quando um desastre aéreo muda a história de Portugal.
Francisco Pinto Balsemão ocupou o cargo de primeiro-ministro do VII e do VIII Governo Constitucional no início de 1981 até meados de 83.
Suceder como Primeiro-Ministro a Francisco Sá Carneiro não é tarefa fácil e é o tanto menos para quem, como eu, o acompanhou ao longo da sua incomparável carreira política. Assumo assim, com humildade, a sua sucessão, para continuar onde trabalho, defender uma causa, manter uma esperança.
Com o final do governo, Francisco Pinto Balsemão começou gradualmente a afastar-se da política mais ativa. Regressou ao Expresso, onde já não encontrou Marcelo Rebelo de Sousa.
Marcelo tinha sido nomeado diretor do semanário em 1980, mas desde 78 que a relação entre os dois não era boa. A rotura começou com um texto em que o jornalista Marcelo dizia que o patrão, Francisco Pinto de Balsemão, estava "lelé da cuca". Meses mais tarde, com Balsemão como primeiro-ministro, Marcelo não dava descanso ao patrão ausente. Em 2021, na autobiografia, Francisco Pinto de Balsemão escreveu, décadas depois destes episódios, que Marcelo Rebelo de Sousa era igual ao escorpião da fábula do escorpião e do sapo. O escorpião que, depois de pedir ajuda ao sapo para atravessar um riacho, mata o companheiro de viagem quando ambos estavam juntos a cruzar as águas. Isto porque matar faz parte da natureza do escorpião.
Durante anos, a relação foi tensa entre os dois, mesmo nos tempos em que Balsemão foi apontado pelo PSD como conselheiro de Estado da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa. Só quando o Expresso fez 50 anos, em 2023, é que a relação se terá normalizado. Nessa altura, Marcelo Rebelo de Sousa atribuiu as insígnias de membro honorário da Ordem da Liberdade ao Expresso.
Mas Pinto Balsemão não se ficou pela fundação do jornal mais importante para alturas do 25 de Abril. À frente do grupo Impresa, foi pioneiro e o maior magnata da comunicação social portuguesa: a SIC, primeiro canal da televisão privada pela funcionária em Portugal nasceu em 1992; a SIC Notícias apareceu logo no início de 2001 e do canal mãe outros canais surgiram.
Sem nunca se afastar totalmente, Francisco Pinto Balsemão foi saindo de cena. Em 2016, colocou o filho, Francisco Pedro Balsemão, como o presidente executivo do grupo Impresa e, em 2022, passou boa parte desse ano a entrevistar personalidades da vida nacional e internacional para o seu podcast "Deixar um Mundo Melhor".
"Uma das personalidades mais marcantes dos últimos sessenta anos"
A morte de Francisco Pinto Balsemão, aos 88 anos, gerou esta terça-feira uma onda de reações transversais na sociedade portuguesa, desde a política à comunicação social. O Presidente da República, o primeiro-ministro, os antigos governantes, os líderes partidários, os jornalistas e os empresários destacaram o papel fundamental que teve na consolidação da democracia e na liberdade de imprensa.
- "Visionário, pioneiro, criativo, determinado, batalhador, democrata, social-democrata, europeísta e atlantista, esteve em quase todos os combates de meados dos anos sessenta até hoje. Portugal não o esquece. Portugal nunca o esquecerá", recordou Marcelo Rebelo de Sousa.
- “Sempre com uma palavra amiga, com uma palavra de estímulo, com uma palavra de apreciação, de análise, que em todas as campanhas eleitorais, em todos os momentos de reflexão, nunca escondeu os seus pontos de vista e muitas vezes nos espicaçava para podermos aprofundar a social-democracia à luz daquela que é a situação hoje do país, da Europa, do mundo”, afirmou Luís Montenegro.
- “Até ao fim dos seus dias, Francisco Pinto Balsemão impressionou o país com a sua energia, sagacidade e espírito de inovação. A democracia, o parlamento e o país prestam-lhe tributo e agradecem a sua vida de serviço público”, refere-se na nota de pesar de José Pedro Aguiar-Branco, publicada no site oficial da Assembleia da República."É a morte de um amigo. Tinha sobretudo com o doutor Francisco Pinto Balsemão, desde os anos 80 do século passado, uma relação de fortíssima amizade”, declarou Luís Marques Mendes.
- "Ele era um homem livre. Eu acho que foi, de facto, alguém que mudou Portugal, mudou como político, com certeza, mas talvez aquele legado que vai ficar como mais forte, julgo que é justo dizer, vai ser a liberdade da imprensa", destacou Paulo Rangel.
Recupere as principais reações à morte de Francisco Pinto Balsemão na TSF. O fundador e militante do número um do PSD, antigo primeiro-ministro, morreu esta terça-feira, aos 88 anos.