A poucos quilómetros do local onde vai estar um dos pontos mais movimentados da Jornada Mundial da Juventude, há críticas ao investimento feito pelo Estado. E a falta de esperança fala mais alto.
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Na Avenida Almirante Reis, o dia é igual a tantos outros. Quem aqui está já conhece bem a rua. A rua é muito mais do que um local de passagem. É casa. "Já vivi ali daquele lado, e depois vim para aqui. Só tenho a minha roupa, e a roupa do rapaz que tem estado comigo", explica apressadamente Tatiana Rosa. A sua casa está montada há oito anos nas arcadas de uma das avenidas mais multiculturais da capital.
A tenda não é muito grande. Mas Tatiana gostava de mostrar ao papa aquele que é o seu abrigo há quase uma década. "Está toda desarrumada, vou ter de a arrumar daqui a nada", comenta. A JMJ está prestes a começar, mas Tatiana tem desde já a certeza de que a sua vida pouco vai mudar. "Disseram que a gente tinha de sair e não disseram mais nada. O que é o papa vai fazer? Eu tenho três filhos para criar e estou aqui a dormir. Os meus filhos não estão ao pé de mim. Estão ao pé da avó."
Ao contrário de Tatiana, esta não é a casa de Neuza Mestre. A jovem está abrigada desde 2019 numa oficina abandonada, no Beato, bem perto da sede da fundação da JMJ. Ela lamenta que não haja apoios para uma outra juventude, que todos os dias procura uma vida melhor nas ruas. "Fico triste por saber que há uma JMJ e saber que foram investidos tantos milhões num palco para receber o papa, enquanto há questões sociais muito mais importantes do que essa. Não estou a invalidar a JMJ, porque também tenho fé, sou cristã. Mas acho que há falta de apoios não só ao nível da juventude", desabafa.
Os camisolas amarelas estão pela cidade
Lisboa é neste primeiro dia de agosto uma cidade mais pacata, mas há sempre movimento. Nas ruas em obras, o ouvido capta desde logo a música de quem procura companhia numa rádio sintonizada ao sabor do vento e confunde-se com a agitação de quem trabalha para garantir que a JMJ é um sucesso.
Em Arroios encontramos um grupo de 5 camisolas amarelas. É esta a cor das t-shirts que identifica os voluntários da JMJ. Esta equipa é liderada por Francisco Justino. A manhã, ainda que curta, já vai longa para a equipa. Já percorreram a pé uns bons quilómetros à procura de restaurantes. Querem garantir que tudo está a correr bem e sem problemas na gestão dos menus com o selo do evento.
"Somos da equipa de voluntários e viemos perguntar se está tudo a correr bem. Já vi que têm ali a sinalética", pergunta Francisco ao entrar num restaurante. "Está tudo a correr bem, mas ainda temos poucos peregrinos", comenta a proprietária. A um ritmo veloz está também Renata Terra.
Renata tem 56 anos, mas também quis estar ao lado da juventude no papel de voluntária. "Não estou habituada a percorrer tantos quilómetros de uma só vez, sobretudo numa zona íngreme. É uma manhã puxadinha, mas muito agradável, porque este trabalho de equipa é ótimo", destaca.
Já quase a chegar ao Parque Eduardo VII, encontramos Maria Oliveira. Vai em passo apressado a ver se chega a casa a tempo de fazer o almoço com calma.
O caos já está na rua, mas para ela a jornada vai ser em casa. "Muita movimentação faz-me muita confusão. Mas também não tenciono sair de casa. Tenho a televisão para ver e já gozas. Nem posso. Ainda ia dar trabalho e depois tinham que me levar para uma ambulância", afirma com um riso contagiante.
As contas da Igreja, Estado e municípios mostram que a jornada deve custar cerca de 160 milhões de euros. Antes de ir para casa de vez fechar-se na cozinha, o número ainda merece uma reação irónica de Maria. "É maravilhoso... A gente ganha bem e sai cedo...", ironiza. "Os pobres estão cada vez mais pobres. E está tudo dito". E dito a tempo da refeição.