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Balbina Lopes tinha 12 anos quando começou a ceifar, percorrendo hectares de searas de foice na mão direita e três canudos feitos em cana, como se de "dedais em ponto grande" se tratassem, para proteger os dedos da mão esquerda de um eventual descuido.
Hoje recua 60 anos para relembrar o início da vida laboral. "Era uma vida mal paga e muito dura", diz, relatando como ao nascer do sol já tinha que estar pronta para mais um dia de trabalho. Bem-dispostas e equipada a rigor. "As saias eram pregadas com um alfinete para evitar que as espigas subissem pelas roupas e nos picassem. Além de que estragava a roupa."
Trabalhava com os pais nos campos de cereais de Estremoz. Por ali andou até aos 21 anos, quando o casamento a levou para a zona de Sintra à procura de uma vida melhor. O passado rural ficou lá atrás, cruzando uma década de 60 entre hectares de cereais a perder de vista.
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Mas ainda hoje, depois de regressar ao seu Alentejo, a antiga ceifeira não esquece os ranchos que integrou, com cerca de 30 pessoas. "As mulheres ceifavam e atrás vinham os homens, com ranchos grandes. Juntavam os cereais e faziam os molhos. Era preciso saber."
Outros tempos em que o Alentejo ainda sustentou a chancela de "celeiro de Portugal". Mas o paradigma agrícola mudou nos últimos anos, como explica o agricultor João Paulo Rodrigues. "Deram-nos ajudas para não semearmos e a agricultura tradicional começou a ter o seu fim", assinala, acrescentando terem sido muitos os donos das terras que optaram por vender os terrenos por falta de rentabilidade.
"Os agricultores venderam os terrenos, porque foram obrigados a vender, para amendoal e para oliveiras", refere, justificando que aos dias de hoje "o país está a pagar cara a fatura de não ter valorizado o cereal no devido tempo".
Alega que "agora já é tarde", advogando que "era preciso que os agricultores se sentissem incentivados para produzirem mais, com maior qualidade e quantidade".
Mas não foi essa a visão da agricultura nacional. "A visão foi dizerem que nos pagavam mas não podíamos semear, porque se comprava fora. Agora chegámos à conclusão que não temos cereais e não somos auto-suficientes. E vamos comprá-los onde? E a que preços?", questiona o agricultor alentejano, lamentando que o estado tenha acabado com os seus silos da EPAC (Empresa Pública de Abastecimento do Cereal) espalhados pelo país.
Porém ainda hoje há silos que estão a receber cereais pelos campos do Alentejo, geridos pelos agrupamentos de produtores.