Aeroporto de Lisboa "à espera de bater todos os recordes" este Verão. Nos bastidores do controlo de fronteiras
O inspector coordenador do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e director de fronteiras de Lisboa, José Caçador, admite que está "apreensivo". O processo de transição que vai extinguir o SEF pode "complicar" as chegadas num aeroporto onde está "tudo esgotado". Reportagem TSF nos bastidores do controlo de fronteiras do aeroporto Humberto Delgado.
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Numa das manhãs mais calmas da semana, os agentes da PSP Fernando Gouveia e João Carvalho aproveitam a pausa na chegada dos voos internacionais para conferir no ecrã aquilo que os espera. Em poucos minutos, chegarão dois voos de Londres, com cerca de 400 passageiros. Apesar do Brexit, os voos não são considerados "sujos", ou seja, não representam um risco acrescido.
Os dois jovens polícias estão a terminar a formação prática no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, na chamada "primeira linha" do SEF. Aqui, "é feita a primeira abordagem aos que estão a chegar", explica o inspector do SEF, Carlos Pargana, que coordena a formação dos agentes da PSP. Nas últimas duas semanas, cerca de 30 polícias cumpriram o estágio nos postos de controlo, sob supervisão permanente do SEF. "Ainda há algumas dúvidas sobre a questão de residências e vistos. Por vezes, se o passaporte é, ou não, carimbado", indica Carlos Pargana, que, em poucos segundos, resolve as questões dos estagiários.
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Fernando Gouveia e João Carvalho confessam que o mais difícil é a legislação, uma vez que o controlo de fronteiras está "focado em crimes de tráfico de seres humanos e menores". Logo no primeiro dia da formação, depararam-se com "resmas e resmas de folhas para estudar", recorda João Carvalho, que, depois de terminado o estágio, vai continuar no aeroporto de Lisboa. "Voluntariei-me na hora", conta o agente, entusiasmado por "abraçar um novo desafio, completamente diferente" das tarefas que tinha na esquadra.
O intendente da PSP, Pedro Pinho, director da divisão de segurança aeroportuária (DSA), considera que estes estagiários "são um balão de oxigénio, quer em experiência, quer em garantir que os tempos de espera (para os passageiros) são mínimos". No total, estão em formação cerca de 50 agentes da PSP, uns na formação teórica de quatro semanas, outros no estágio nos aeroportos, com duração de duas semanas. Este é terceiro grupo que terminou a formação a 23 de Abril.
Pedro Pinho assegura que há "muitos voluntários" e serão estes agentes que, concluída a formação, irão assumir as competências até agora sob alçada do SEF. "Vamos ter um período de transição", lembra o director da DSA, mas depois "vamos ter de assumir o controlo da fronteira aérea. Vamos ter de substituir todos os polícias SEF. Vamos assumir esta competência de forma que se pretende muito plena e segura". Pedro Pinho admite que "vai ser desafiante", mas "a responsabilidade existe sempre".
O inspector do SEF Carlos Pargana também acredita que estes polícias em estágio "serão, com certeza, uma boa ajuda", mas a formação cinge-se à "primeira linha". Na chamada "segunda linha", "não há estagiários. Os chefes e oficiais da PSP estão como observadores". Nesta zona do aeroporto, os passageiros são entrevistados numa sala reservada, sendo mais frequentes as perguntas que servem para "confirmar que vieram fazer aquilo que dizem vir fazer", explica o coordenador da "segunda linha", Pedro Martins. "Há muitos turistas que não são turistas. Praticamente todos os dias, (aparecem pessoas que) vêm com objectivo diferente daquele que é declarado", ou seja, pretendem trabalhar e para isso, precisam de visto que muitas vezes, não possuem.
Quando existem dúvidas sobre a veracidade dos documentos, entra em acção a unidade de identificação e peritagem documental, um mini-laboratório onde a inspectora Marta Cardoso passa os documentos a pente fino. Verifica-se, por exemplo, a marca de água nos cartões de residência, a reacção UV (ultra-violetas), os infra-vermelhos, a impressão de fundo, o tipo de material e até o som pode ajudar a distinguir entre um documento falso e outro verdadeiro.
O SEF regista cerca de 400 detenções por ano: em média, mais de uma por dia. Até ao passado dia 19 de Abril, a unidade especializada em combate ao tráfico de seres humanos tinha detido 102 pessoas. A unidade, designada como "terceira linha", é a única na qual os inspectores do SEF não andam fardados. O coordenador da "terceira linha", Jorge Gomes, revela que os inspectores fazem os "gate-checks" vestidos à civil, mas armados. "Acompanhamos a saída dos passageiros do avião, para ver padrões fora do comum, verificar se há indicadores clássicos" de tráfico. Nos casos que levantam dúvidas, os passageiros são referenciados para a "segunda linha" e só quando chegam à "terceira linha", os inspectores têm uma intervenção activa. De resto, "somos invisíveis ou tentamos ser".
Com esta unidade especializada no combate à criminalidade, a actuar no aeroporto de Lisboa há cerca de dois anos, aumentaram os "inquéritos em flagrante delito. As detenções têm aumentado", refere Jorge Gomes, que desconhece o que vai acontecer à "terceira linha" com a extinção do SEF. "Não faço a mínima ideia. Trabalhamos um dia de cada vez, é o que há", afirma o inspector, com um suspiro e um encolher de ombros.
A incerteza é partilhada pelo inspector-coordenador do SEF e director de fronteiras de Lisboa, José Caçador, que tem apenas uma certeza. "Estamos à espera, neste verão IATA, de bater todos os recordes de passageiros. Pela previsão da ANA, está tudo esgotado, nos meses de Julho e Agosto", o que vai exigir "muita dedicação" e as dificuldades poderão aumentar com a transição do SEF. "Vai complicar, se a colaboração da Polícia de Segurança Pública não for plena", afirma José Caçador. A Jornada Mundial da Juventude não deverá ter reflexo directo no número de passageiros, porque o aeroporto já está a 100%, explica o inspector-coordenador, mas como a PSP vai destacar agentes para o evento, "se não puder ajudar aqui (no aeroporto), vai ser muito complicado".
"Somos perto de 200 e somos poucos", realça José Caçador. Se a extinção do SEF avançar de imediato, "o Verão vai ter consequências", alerta o director de fronteiras de Lisboa, que se confessa "apreensivo, porque o aeroporto de Lisboa é muito complexo. Sentimos angústia porque não conseguimos fazer o trabalho como deve ser, por falta de meios". O sentimento não se resume às chefias. "Estão todos muito preocupados", afirma José Caçador. "Os mais novos até estão com mais ansiedade. Estão a tentar sair para outros locais, o que é pena", lamenta o inspector-coordenador, na contagem decrescente para o fim do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
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