O Presidente da República considerou hoje indiscutível a existência de «uma fadiga de austeridade» entre os portugueses e propôs uma reflexão «serena» do programa de assistência financeira.
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«É indiscutível que se instalou na sociedade portuguesa uma 'fadiga de austeridade' associada à incerteza sobre se os sacrifícios feitos são suficientes e, mais do que isso, se estão a valer a pena. Estas são interrogações legítimas, que todos têm o direito de colocar. Mas, do mesmo modo que não se pode negar o facto de os portugueses estarem cansados de austeridade, não de deve explorar politicamente a ansiedade e a inquietação dos nossos concidadãos», referiu o chefe de Estado.
Cavaco Silva, na intervenção na sessão solene de comemoração do 39º aniversário do 25 de Abril, avisou ainda os responsáveis políticos que precisam de atuar num horizonte mais amplo do que os calendários eleitorais, insistindo na necessidade de consensos.
«É uma ilusão pensar que as exigências de rigor orçamental irão desaparecer no fim do programa de ajustamento, em meados de 2014», afirmou.
«Reafirmo a minha profunda convicção de que Portugal não está em condições de juntar uma grave crise política à crise económica e social em que está mergulhado. Regrediríamos para uma situação pior do que aquela em que nos encontramos», salientou, chamando a Assembleia da República a contribuir para consciencializar as exigências com que Portugal será confrontado no período pós-troika.
«É absolutamente decisivo para o nosso futuro coletivo que essas exigências sejam devidamente tidas em conta nas estratégias político-partidárias. Em nome dos portugueses, é essencial alcançar um consenso político alargado que garanta que, quaisquer que sejam as conceções político-ideológicas, quaisquer que sejam os partidos que se encontrem no Governo, o país, depois de encerrado o atual ciclo do programa de ajustamento, adotará políticas compatíveis com as regras fixadas no Tratado Orçamental que Portugal subscreveu», defendeu.
O Presidente da República disse também ser tempo de fazer «uma reflexão serena e objetiva» sobre a execução do programa de assistência financeira, «com vista a melhor prepararmos o futuro que se avizinha».
No discurso, o Presidente da República defendeu ainda a colocação do combate ao desemprego como uma prioridade da ação governativa e admitiu que alguns dos pressupostos do programa de assistência financeira não se revelaram ajustados à realidade.
«Dois anos decorridos sobre a concretização do programa de assistência financeira, o reconhecimento objetivo de aspetos positivos não nos deve desviar a atenção do programa mais dramático que Portugal enfrenta: o agravamento do desemprego e o aumento do risco de pobreza, em resultado de uma recessão económica cuja dimensão ultrapassa, em muito, as previsões iniciais», referiu o chefe de Estado.
«Esta destruição de capital humano coloca graves problemas pessoais, familiares e sociais, tendo ainda um impacto muito negativo sobre o crescimento potencial da nossa economia» assinalou, destacando que, além dos jovens, outro grupo tem sido «gravemente afetado e infelizmente esquecido», ou seja, quem tem entre 45 e 65 anos.
Reconhecendo que o efeito recessivo das medidas de austeridade revelou-se «superior ao previsto, provavelmente por falha nas estimativas», Cavaco Silva notou igualmente que «alguns dos pressupostos do programa não se revelaram ajustados à evolução da realidade, o que suscita a interrogação sobre a troika não os deveria ter tido em conta mais cedo».
«Neste contexto, as metas iniciais do défice público revelaram-se uma impossibilidade e acabaram por ser revistas. Agora prevê-se que apenas em 2015 Portugal deixará de se encontrar numa situação de défice excessivo», frisou, ressalvando, contudo, que é «um sinal positivo» o défice primário estrutural ter sofrido uma redução de seis pontos percentuais do PIB nos últimos dois anos.
A propósito da redução do défice, Cavaco Silva aproveitou para deixar a 'sugestão' de que, após a intervenção externa, «poderá ser preferível fixar limites ao crescimento da despesa pública, os quais, sendo mais fáceis de avaliar, tornam o processo de consolidação orçamental mais credível e transparente».