Costa recuperou "capital político, mas não chega". Siza Vieira aconselha mais iniciativa e coordenação
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Mais ou menos ultrapassada que está a crise política entre Belém e São Bento com João Galamba à mistura, foi na mesa do Bloco Central, da TSF, que o ex-ministro Pedro Siza Vieira deixou os seus conselhos a um Governo que tenta agora seguir em frente. Ao segurar o ministro das Infraestruturas, António Costa conseguiu recuperar "capital político, mas não chega" e, para arranjar o que falta, o antigo ministro da Economia fez uma lista: iniciativa, coordenação e disciplina.
A decisão de manter Galamba no executivo deu "tempo" a António Costa, mas, "não apaga os ministros mais apagados, não apaga os problemas de coordenação e não apaga as fragilidades".
As reações às "circunstâncias" que, quer se queira, quer não, "vão sempre aparecendo à frente de quem exerce o poder" também demonstravam que algo não corria bem. Aliás, Siza Vieira até evoca um antigo primeiro-ministro britânico, Harold Macmillan, a quem é atribuída a eternização da resposta à pergunta "Qual é o maior problema que o primeiro-ministro tem?"
"Events, my dear boy, events", terá respondido o político britânico que governou entre 1957 e 1963, num paralelismo que o comentador do Bloco Central transporta agora para o Portugal do século XXI. É que, agora, também o Governo português - liderado por Costa - terá de "saber reagir aos acontecimentos enquanto está, ao mesmo tempo, focado na governação".
Acontece que os problemas que o executivo tem enfrentado "não se apagaram" com a declaração de António Costa sobre Galamba, uma "prova de vida" que não se pode esgotar em si.
A partir de agora, avisa Siza Vieira, o primeiro-ministro "precisa mesmo de exercer a sua autoridade num sentido que as pessoas percebam que está a ser exercida em benefício de uma melhor governação".
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E por onde começar? O antigo ministro aconselha que seja pela "iniciativa executiva e iniciativa reformista, por mostrar coisas", ainda que no caso da habitação o que foi feito tenha corrido "muito mal".
Entre os temas que quer ver colocados em cima da mesa, Siza Vieira identifica o da "fiscalidade do trabalho". E porquê? Porque o Governo "tem margem de manobra" e precisa de mostrar "o que é que vai fazer" com ela: "Como é que vai começar, desde já, a colocar na discussão pública o que vai fazer com uma economia que está a funcionar tão bem?"
É com temas como este, defende, que o Governo "tem de começar a preocupar-se desde já", e para isso é preciso juntar à iniciativa os tais outros ingredientes: "Melhor coordenação política - e isso não precisa de uma grande remodelação -" e mais "disciplina interna".
Nesta senda, aconselha os ministros a "deixarem de estar a olhar para a sua carteira, para a sua mesa ou para as coisas à sua volta", olhando antes para o mundo lá fora. "É levantarem a cabeça, olharem para fora, falarem e dizerem ao que é que vêm", aconselha, "isso é que eu acho que neste momento é necessário".
Só que os que agora recebem o conselho de Siza Vieira e os que o vão colocar em prática podem nem vir a ser os mesmos. Pedro Marques Lopes, também comentador da TSF, vê uma remodelação do executivo não só como "inevitável", mas como também "muito, muito desejável".
"Tem de haver um repensar da própria estrutura do Governo, de como está pensado, não pode mesmo ser algo como mudar algumas figuras" e, para o evitar, admite que a solução possa até passar pela criação da figura do "vice-primeiro-ministro".
Com uma coordenação política que, neste momento, "não é nada boa, são precisos mais pesos pesados no Conselho de Ministros."
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Uma questão de responsabilidade e a questão do que é a responsabilidade
Puxemos a fita do tempo um pouco mais para trás na semana, até ao dia em que António Costa anunciou que não podia aceitar a demissão de João Galamba. O antigo responsável pela Economia, Siza Vieira, explica que, nesta como noutras situações, Costa optou por arriscar "perder o poder" para não ter de "continuar a exercê-lo de forma limitada".
O mesmo já tinha acontecido, sublinha, nos episódios que levaram ao fim do Governo anterior. Em causa estavam os "aumentos dos professores, uma situação na negociação do último Orçamento [do Estado] da geringonça que acabou por ser chumbado porque o Governo não aceitou aquilo que estava a ser colocado como o preço para a aprovação".
Este foi um momento, explica, em que o primeiro-ministro "percebe que, se ceder, vai ver a sua autoridade diminuída e a sua capacidade de manobra completamente limitada". E assim, arriscou perder tudo, tal como agora perante Marcelo.
O cerne da questão acabou por ser a "responsabilidade política" imputada, ou não, a João Galamba: se para Marcelo Rebelo de Sousa não é possível que o ministro não tenha responsabilidade sobre o ex-adjunto Frederico Pinheiro e as suas ações, Costa defendeu que, "em consciência", não podia aceitar a demissão de Galamba porque o seu ministro tinha feito o que lhe competia ao demitir um membro do seu gabinete no qual tinha perdido a confiança política.
E Siza Vieira, que trabalhou de perto com António Costa, consegue explicar essa leitura. É que, revela, para o primeiro-ministro, a responsabilidade política "é uma coisa que tem a ver com a forma como um titular de um cargo político contribui, por ação ou por omissão, para um resultado indesejável ou lhe dá origem, seja porque escolhe mal as pessoas, seja porque não cumpriu mecanismos de vigilância, seja por que motivo for".
Ou seja, entende que alguém deve ser responsabilizado "se tiver contribuído ou dado origem a um resultado, tendo consciência de que isso era assim e, se não tem consciência e não contribui, a perspetiva que ele tem de responsabilidade política é a da responsabilidade de corrigir o dano e evitar que se volte a repetir". E, ao despedir Frederico Pinheiro, Galamba tê-lo-á feito.
A diferença nas leituras do primeiro-ministro e do Presidente da República será, acredita, uma questão que "tem a ver muito com personalidades, obviamente, mas também como história de cada um".
De um lado, António Costa, que fez "toda a sua carreira política, praticamente, em funções executivas" e para quem a responsabilidade política é "resolver problemas".
Do outro, Marcelo Rebelo de Sousa, que "fez toda a sua carreira política em funções mais institucionais e não executivas, quer quando estava efetivamente no exercício de funções políticas, quer quando, no grosso da sua carreira, o seu envolvimento na política era neste espaço de comentário, do domínio da palavra e da imagem e do simbolismo do poder".
Feita as contas, "este segundo tem uma noção mais objetiva e dos gestos do que aquele que tem as mãos na massa e acha que exercer a responsabilidade política é resolver os problemas".
Separadas as águas, Siza Vieira diz-se convicto de que houve, há e "vai haver uma vontade muito grande de preservar o bom relacionamento institucional". E agora que o Presidente da República mostrou do que "não gostou", terá, defende, de "perceber que não vai poder continuar a falar em dissolução três vezes por semana, não é?"
E agora, o que trazem os próximos episódios? "São ambos patriotas e nenhum deles tem interesse em subverter o bom funcionamento das instituições."
