Costa "obviamente" não demite secretária-geral do SIRP e nega abuso de poder apontado por Montenegro
Líder do Governo retira da carta que o social-democrata "não pretende qualquer esclarecimento, mas tão só fazer combate político", revelando que convidou Montenegro para reunião a três com a secretária-geral da SIRP e não obteve resposta.
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O primeiro-ministro acusou esta sexta-feira o PSD de usar as "secretas" portuguesas para fazer combate político ao Governo, numa carta/resposta ao líder social-democrata em que rejeita a demissão da secretária-geral das "secretas" e revela que tentou por duas vezes prestar pessoalmente mais esclarecimentos.
"Lendo a sua carta, percebo que não pretende qualquer esclarecimento, mas tão só fazer combate político ao Governo, ainda que à custa do Sistema de Informações da República Portuguesa[SIRP]", escreve António Costa na carta de resposta enviada a Luís Montenegro, a que a TSF teve acesso, e que também foi enviada ao Presidente da República, para conhecimento.
LEIA AQUI NA ÍNTEGRA A RESPOSTA DE ANTÓNIO COSTA
António Costa não se limita a recusar "obviamente" o repto do líder do PSD para a demissão da secretária-geral do SIRP, embaixadora Graça Mira Gomes.
Envia dois documentos classificados a Luís Montenegro para reiterar que, na recuperação de um computador de um ex-adjunto do Ministério das Infraestruturas, o SIS "não agiu sob ordens, instruções ou orientações de qualquer membro do Governo, mas por decisão própria - e correta - da sua direção, em articulação com a Secretária-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa".
"É absolutamente infundada a acusação de abuso de poder por parte do Governo, de qualquer dos seus membros ou colaboradores", sublinha.
Costa lembra também a Montenegro que o diretor do SIS enquadrou juridicamente a ação dos serviços na audição de se realizou na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexa os documentos confidenciais para o caso de não ter sido informado pelos deputados do PSD.
"Para seu conhecimento pessoal, e admitindo que não tenha sido devidamente informado pelos deputados do PPD/PSD na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias das informações aí prestadas, junto envio dois documentos classificados 'confidencial', em que o Diretor do Serviço de Informações de Segurança enquadra juridicamente e descreve detalhadamente a atuação dos serviços nesta ocorrência", escreve o primeiro-ministro.
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Costa assumiu que Montenegro "não tinha necessidade de qualquer esclarecimento complementar"
Na carta que devolve ao líder do PSD, Costa assinala também que "em 8 e 18 de maio" manifestou "total disponibilidade" - a par de Mira Gomes - para prestar "pessoalmente" a Montenegro "toda a informação que tivesse por conveniente" sobre a atuação do SIS.
"Em nenhuma destas ocasiões aceitou V. Exa a nossa disponibilidade, pelo que assumi que não tinha necessidade de qualquer esclarecimento complementar", nota Costa.
O primeiro-ministro considera lamentável e inaceitável que o presidente do PSD ponha em causa a seriedade dos serviços de informações e do Conselho de Fiscalização, alegando que tal acontece porque este órgão "não validou uma narrativa falsa".
"Inaceitável" colocar Mira Gomes em causa
Costa classifica, por um lado, como lamentável que o líder social-democrata "ponha em causa, sem qualquer fundamento e contra toda a factualidade apurada e documentada, a probidade do ministro das Infraestruturas, de eventuais outros membros do Governo" e do próprio primeiro-ministro na relação com os serviços de informação.
"Mas é inaceitável que ponha em causa a independência, isenção e profissionalismo da senhora Secretária-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), ilustre diplomata com uma carreira impoluta ao serviço do Estado, e a integridade dos próprios Serviços de Informação, dos seus Diretores e funcionários, que não executariam seguramente uma ordem, indicação ou orientação para a prática de ato ilegal", refere o primeiro-ministro.
Quanto às críticas feitas por Luís Montenegro ao Conselho de Fiscalização do SIRP, o primeiro-ministro admite que "é sempre possível melhorar os mecanismos de fiscalização".
"O que não é aceitável é que ponha em causa a seriedade e fiabilidade do mecanismo que propôs e aprovou só porque... Não validou uma narrativa falsa sobre a atuação dos Serviços", critica.
Costa recorda que o atual regime de fiscalização parlamentar dos Serviços de Informação foi aprovado sob a forma de lei orgânica em 2014 e resultou de um diploma com origem nas bancadas do PSD e do CDS-PP, num período em que Luís Montenegro era líder parlamentar dos sociais-democratas e foi um dos seus subscritores.
"O Conselho de Fiscalização que por unanimidade considerou não haver indícios de ilegalidade na atuação do SIS foi eleito por maioria de dois terços na Assembleia da República, integrando, designadamente, um elemento indicado pelo Grupo Parlamentar do PPD/PSD, que V. Exa. bem conhece, desde logo porque foi seu colega na bancada parlamentar do PPD/PSD entre 2002 e 2015", disse, referindo-se a Joaquim Ponte.
Na carta, António Costa diz registar que a bancada do PSD não propôs a demissão deste Conselho "como certamente teria feito se pusesse em causa o respeito pelos seus membros dos deveres de independência e imparcialidade".
Na quinta-feira, o presidente do PSD escreveu ao primeiro-ministro a insistir na demissão da secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa e avisou que, se isso não acontecer, a direção das "secretas" perderá a confiança dos sociais-democratas.
Na missiva, datada de quinta-feira, e cujo conteúdo foi dado a conhecer ao Presidente da República (tal como a resposta de Costa), Montenegro justificou o pedido de demissão porque, "apesar do abuso do Governo ao solicitar, na prática, a intervenção do SIRP" na recuperação do computador levado do Ministério das Infraestruturas na noite de 26 de abril pelo ex-adjunto Frederico Pinheiro, "este serviço nunca devia ter acedido a tal solicitação".
Montenegro antecipa ainda que os sociais-democratas vão "propor oportunamente a mudança do regime de fiscalização parlamentar" dos serviços de informações, de modo "a torná-lo mais transparente e eficaz".