Covid-19 provoca "lesões cardíacas persistentes" a crianças saudáveis após infeção
A infeciologista pediátrica Maria João Brito, que liderou o estudo, explica à TSF as consequências que a síndrome inflamatória multissistémica deixa nas crianças.
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Existem crianças saudáveis que desenvolveram problemas cardíacos algum tempo depois de terem contraído a Covid-19. As conclusões de um estudo levado a cabo pelo hospital Dona Estefânia, em Lisboa, revelam que entre abril de 2020 e 2021 das 312 crianças internadas no hospital, 45 tinham síndrome inflamatória multissistémica.
As crianças apresentaram, por exemplo, diminuição da tolerância de esforço ou lesões cardíacas persistentes algum tempo após terem sido infetadas.
"É uma situação que ocorre quando a criança já se infetou, habitualmente há três ou quatro semanas, e depois surge realmente com alterações que levam sempre uma criança a ir procurar ajuda de um profissional de saúde", explica Maria João Brito à TSF, infeciologista pediátrica que liderou a pesquisa do hospital lisboeta.
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O estudo identificou 45 crianças com este síndrome no hospital Dona Estefânia. A maior parte eram rapazes e tinham uma média de idades de sete anos. A maioria era saudável e 40% tinha doença crónica associada, como obesidade, asma, doença renal ou epilepsia. Quando recorreram aos serviços hospitalares sofriam de sintomas como vómitos e dores abdominais. "Têm febre muito alta, ficam com umas manchinhas no corpo, ficam com um ar doente", complementa a infeciologista.
Maria João Brito esclarece que depois chegaram à conclusão de que os sintomas seriam provocados por uma ação de defesa do organismo.
"A pessoa infeta-se, já não tem lá o vírus passado este tempo, mas o organismo não sabe disso, então continua a tentar combater o vírus, digamos assim. E neste combate que tenta fazer, no fundo o vírus já não está lá, mas pode atingir vários órgãos. Por isso é que esta entidade se chama multissistémica", revela.
Nos casos encontrados no hospital Dona Estefânia, a síndrome já se manifestava há seis dias e três órgãos já tinham sido afetados. Nove dias depois, as crianças tinham alta sem que tenha existido alguma morte.
O estudo alerta que os sintomas podem ser confundidos com outros problemas crónicos, mas a infeciologista pediátrica garante que os médicos sabem tratar o problema. O que se está a avaliar agora é tipo de sequelas podem ficar nas crianças.
"É uma situação que foi descrita a primeira vez em março de 2020, logo no início da pandemia. Os primeiros casos surgiram em Inglaterra e em Espanha. O nosso primeiro caso foi em abril e para nós, pediatras, é uma situação que nós, no geral, conhecemos bem", conta Maria João Brito.
Para a líder da pesquisa, o objetivo foi "mostrar que esta situação não é completamente inócua e pode deixar algumas alterações meses depois".