Crimes ambientais compensam? Lei está "desenhada de uma forma que usa e abusa de conceitos vagos"
Na última década, apenas 6% dos casos de poluição e danos contra a natureza foram julgados. O inspetor-geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, o presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente e o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público apontam várias lacunas na lei.
Corpo do artigo
"É verdade, custa-me dizê-lo, mas é verdade." É assim que o inspetor-geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território responde quando questionado sobre se o crime ambiental compensa em Portugal. O ónus da culpa está na lei, sublinha José Manuel Brito e Silva.
O inspetor-geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território admite, em declarações à TSF, que Portugal tem graves problemas no combate a crimes ambientais. Na última década, apenas 6% dos casos de poluição e danos contra a natureza foram julgados, de acordo com os dados revelados esta segunda-feira pelo Jornal de Notícias.
O inspetor-geral aponta várias falhas: "Quando chegamos à lei, cria constrangimentos, porque, desde logo na investigação do crime ambiental, mas também na produção da prova. Isto cria problemas quer para quem investiga, nomeadamente o Ministério Público, quer para os magistrados que aplicam a lei."
TSF\audio\2021\02\noticias\22\jose_manuel_brito_silva_1_problemas
José Manuel Brito e Silva também considera que as noções de crime ambiental "estão desenhados de uma forma que usa e abusa de conceitos vagos e indeterminados".
Na última década, registaram-se perto de 80 mil crimes ambientais em Portugal, a maior parte dos quais incêndios florestais, danos contra a natureza e poluição. Poucas situações, no entanto, chegaram à barra dos tribunais. As condenações neste tipo de crime são residuais.
"Os tribunais, como não têm histórico nestas matérias, acabam por ser depois sensíveis às matérias que se lhes opõem e que são normalmente os argumentos dos infratores: os postos de trabalho, as razões de natureza económica e de natureza social", analisa o responsável, que considera os tribunais "mais sensíveis a esse tipo de argumento do que propriamente ao dano ambiental", porque o impacto não é "quantificável, não é apreensível, não é mensurável".
TSF\audio\2021\02\noticias\22\jose_manuel_brito_silva_2_compensa
Nuno Lacasta, presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, argumenta que, em certos casos, compensaria pagar primeiro para contestar depois. Quanto às coimas previstas para contraordenações ambientais, "talvez sejam demasiado elevadas para o que está em causa, e o efeito dissuasor poderá não estar a aplicar-se", fundamenta.
O presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente defende que "a entidade suspeita de poluição tem de demonstrar que não poluiu", porque "não é possível ter um polícia, um agente a tentar provar tudo" e o Estado não terá recursos suficientes para avaliar caso a caso.
TSF\audio\2021\02\noticias\22\nuno_lacasta
Também o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público aponta vários problemas no combate ao crime ambiental. Ouvido no Fórum TSF, António Ventinhas salienta que a lei é demasiado subjetiva, que "os critérios são extremamente vagos e permitem diversas interpretações" e que "as molduras penais são extremamente baixas, que dificilmente levam à prisão efetiva", enquadramento no qual não se inserem os incêndios florestais.
TSF\audio\2021\02\noticias\22\antonio_ventinhas_1_prob_lei
Por isso, uma condenação, "muitas vezes, é difícil de concretizar". Apostar na sensibilização e na formação dos magistrados é uma das sugestões de António Ventinhas.
"Podia ser feito um maior investimento nesta área. Há países onde existe, inclusivamente, departamentos especializados só para as áreas do ambiente. Em Portugal, não existe isso, até porque temos muito poucos crimes e praticamente as condutas entram no campo das contraordenações, ou seja, das coimas."