Das "deputadas mais notáveis da democracia". Odete Santos, a comunista que ia "além das fronteiras do partido"
Odete Santos morreu esta quarta-feira, aos 82 anos. É recordada, dentro do partido, como uma referência de competência e combatividade.
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António Filipe não tem dúvidas: Odete Santos está "entre os deputados mais notáveis" da História da democracia portuguesa. O antigo deputado, que partilhou com Odete Santos a bancada do PCP na Assembleia da República, fala numa "personalidade muito marcante".
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"Partilhei com a Odete Santos cerca de vinte anos de trabalho na Assembleia da República, no grupo parlamentar do PCP, e fui testemunha privilegiada da sua intervenção parlamentar", recorda. "A forma enérgica como defendia as suas posições não deixava ninguém indiferente."
"Pela qualidade das suas intervenções, pela qualificação que tinha até, como jurista e como advogada, mas também pela grande combatividade que punha nas suas intervenções, (...) ela ficará como uma referência de sempre do grupo parlamentar do PCP mas também da própria Assembleia da República", declara António Filipe.
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Essa qualidade transversal é também destacada pelo ex-secretário-geral comunista Jerónimo de Sousa. "Conseguiu conquistar, uma coisa que não é fácil, o respeito dos próprios adversários na Assembleia da República", nota.
Jerónimo de Sousa lembra ainda uma mulher que lutou pelas mulheres, de forma brilhante. "Quantas e quantas vezes tinha as intervenções feitas, escritas, e largava o papel e fazia ali brilhantes improvisos, com uma capacidade técnica jurídica, política, fazendo opções de classe do lado das mulheres que menos têm e menos podem."
O antigo líder comunista recorda, por exemplo, a ação de Odete Santos no processo da despenalização do aborto. "Teve um papel decisivo. (...) Era capaz de conseguir convencer, provar e demonstrar a justeza dos objetivos. Discutia-se a interrupção voluntária da gravidez e, surpreendentemente, nas escadarias de São Bento, de repente, milhares de jovens, num improviso que nenhum megafone conseguiria realizaram, gritaram "Odete, Odete, Odete!". Portanto, não é exagero dizer que é uma perda. É uma perda, para além do Partido, para a democracia portuguesa."
Bernardino Soares, ex-líder parlamentar comunista, fala também de Odete Santos como uma deputada "muitíssimo popular, muito para além das fronteiras do partido".
Odete Santos era já estava no Parlamento, quando Bernardino Soares chegou ao grupo parlamentar do PCP, pelo que, afirma, contou sempre com a experiência da então deputada. "Aprendi muito com ela", admite, sublinhando as "intervenções marcantes" ouvidas "com um profundo silêncio e atenção por todo o Parlamento".
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"Perdemos uma pessoa que teve um papel singular e de grande importância em causas como os direitos das mulheres, os direitos dos trabalhadores" e que "intervinha sempre com uma grande paixão, mas também com uma grande competência, um enorme empenho, com muito trabalho e muito rigor".
Acima de tudo, considera Bernardino Soares, será recordada - como "sempre foi vista" - como uma "pessoa genuína".
Também para o antigo secretário-geral do PCP Carlos Carvalhas, esta é uma perda não só para o PCP mas para o país. "Odete Santos não deixou ninguém indiferente. Quem a conheceu, independentemente do quadrante político, lembra a sua intervenção veemente, combativa, frontal", refere.
E apesar de ser uma "mulher de cultura", tinham uma grande proximidade com povo, nota Carvalhas. "Era a "advogada dos pobres", era assim que era conhecida em Setúbal, era assim que a chamavam."
"Em relação aos mais desafortunados tinha sempre uma palavra e uma intervenção - não se ficava pelo discurso! Também com aguma espetacularidade - mas que não era populismo, era de grande espontaneidade", ressalva.
Pedro Tadeu, jornalista e militante comunista, lembra Odete Santos como "um quadro de nível superior do PCP", que "tinha uma grande capacidade intelectual e cultural e, sobretudo, que entusiasmava".
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"Transmitia uma energia de confiança na humanidade, de crença na capacidade humana de se emancipar, que era contagiante, entusiasmante e mobilizadora", mas também, sublinha, "uma pessoa muito querida no Parlamento por todas as forças políticas". Odete Santos, que, defende Pedro Tadeu, era uma "personalidade original".
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"Alguém ser a igual a Odete Santos? Acho que é muito difícil", atira.
A antiga deputada comunista Odete Santos morreu, esta quarta-feira, aos 82 anos, de acordo com informação do PCP. Era militante comunista desde 1974 e pertenceu ao Comité Central do PCP de 2000 a 2012, tendo sido deputada de novembro de 1980 a abril de 2007. Teve também vários cargos autárquicos em Setúbal, concelho onde cresceu.
Notícia atualizada às 17h04