É impossível desligar do hospital. "O meu escape é a minha família e pouco tempo tenho"
Quem lida diariamente com doentes Covid, no S. João, tem de deixar para segundo plano o cansaço, a pressão, a angústia e a esperança a que estão expostos sem interrupção. A TSF foi conhecer o escape a que recorrem nos momentos de descanso.
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As férias de verão de Cristina Marujo foram mais curtas. O tempo em família também encurtou, e muito. A ausência, por motivos de trabalho, já não é novidade na vida da diretora do Serviço de Urgência do Hospital de São João, no Porto, e dos que com ela vivem.
"Eles estão muito habituados aos turnos, estão muito habituados a horários para além da hora marcada, estão muito habituados a esperar horas para jantar, por isso esta situação não é surpresa. Este início de ano, este março, este abril foram muito atípicos, mas não os apanharam de surpresa, e, neste momento, eles já estão mais do que habituados também a esta nova realidade. Portanto, são capazes de reclamar mais do facto de eu não poder estar descansada com eles. Quanto ao resto dão suporte total."
O descanso, agora, é intermitente. No início da pandemia era impossível parar. "Nós na primeira vaga estivemos aqui dias e dias seguidos, neste momento já temos conseguido ir a casa à noite, libertamos uma tarde, ou uma manhã, durante o fim de semana, e às vezes um dia durante o fim de semana."
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Todos os minutos são aproveitados para espairecer, afastar a tensão com o que Cristina Marujo mais gosta de fazer. Leitura e fotografia são das atividades favoritas. Dormir e descansar também.
Ficar em casa, estar com a família, é mesmo o melhor o escape à rotina turbulenta do hospital, para muitos profissionais No entanto, nem sempre o afastamento é total, como acontece com Paulo Mota, enfermeiro-chefe da Urgência do S. João.
"Eu chego a casa e ligo logo o computador. Não consigo, até pelas funções que exerço, desligar completamente."
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De calças e camisa azuis e touca colorida, Rosa Moreira engana o cansaço com sorrisos. Percorre os corredores a distribuir indicações e tarefas. O serviço de neurocríticos acolhe, desde meados de outubro, doentes Covid em estado grave. Uma mudança que implicou uma nova rotina, que é gerida diariamente, tal como o pouco tempo de descanso da enfermeira-chefe.
"O meu escape é a minha família, e pouco tempo tenho para o fazer. Não há tempo para mais. Gosto de ouvir música, adoro ler, mas não tenho tempo. É mesmo trabalho e um bocadinho com a família."
Ana Tavares está prestes a começar mais um turno de serviço. Enquanto veste o equipamento de proteção individual explica que "já começo a sentir algum cansaço, mas estamos prontos para isto". Para espairecer, atira a resposta sem hesitação, "brincar com o meu filho".
Outra mudança sentida neste serviço prende-se com a relação que estabelecem com os pacientes. Conviver com doentes Covid é um desafio acrescido a nível emocional. A enfermeira Ana Gonçalves refere que ao contrário do habitual, "nós conhecemos estes doentes porque falamos com eles. Normalmente, no nosso serviço, são os familiares que nos falam deles, porque na maioria das vezes chegam aqui inconscientes. Não chegamos a conhecer o doente, nem a história de vida dele. Aqui é diferente."
Os sentimentos são guardados, escondidos ou disfarçados. Todos têm uma missão a cumprir e cada um tem o seu papel. O de Sara Sousa é auxiliar. Quando sai de casa para trabalhar, no Hospital de São João, vem com medo. Não é por acaso. Diz que é a âncora da família é a única que está por perto.
"Já chorei muitas vezes. O meu marido está fora do país. É muito difícil ser mãe e pai sozinha."
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