"Enorme retrocesso civilizacional." Comunidade islâmica entende que "não há razões" para proibição de burca
À TSF, Khalid Jamal adianta que pode haver problemas constitucionais: "Se uma mulher portuguesa que professe a religião muçulmana se sentir discriminada em função desta lei, eu julgo que deve agir nesse sentido."
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O antigo porta-voz da Comunidade Islâmica em Lisboa, Khalid Jamal, considera que não existem razões de segurança que justifiquem a necessidade de proibir o uso de roupas que tapem o rosto.
"Parece lamentável do ponto de vista social e implica, a meu ver, um enorme retrocesso civilizacional que, quanto a mim, é injustificado, porque não há razões plausíveis, designadamente razões de insegurança nacional, que justifiquem a criação de um diploma com esta natureza. É certo que me poderá dizer que na realidade isto não visa a comunidade islâmica ou a burca em si, porque o diploma está escrito de forma cautelosa ou engenhosa, não visando especificamente a comunidade e o uso da burca. Mas, na realidade, o resultado e o efeito deste diploma é precisamente esse", disse Khalid Jamal à TSF.
PSD, IL e CDS-PP aprovaram esta sexta-feira, na generalidade, o projeto de lei do Chega que visa proibir a utilização de burca em espaços públicos, invocando os direitos das mulheres e questões de segurança.
Para o membro da Comunidade Islâmica de Lisboa, pode haver problemas constitucionais: "O princípio da igualdade plasmado na Constituição defende que ninguém pode ou deve ser discriminado em função da sua raça, sexo ou religião. Se uma mulher portuguesa que professe a religião muçulmana se sentir discriminada em função desta lei, eu julgo que deve agir nesse sentido."
As mulheres muçulmanas usam normalmente dois tipos de formas de cobrir o rosto e a cabeça.
"Uma é o hijab, no fundo, é o véu e, em princípio, só cobre o cabelo. É um lenço, vamos dizer assim. As freiras também usam, não está única e exclusivamente associada à religião islâmica. E depois temos a burca ou o niqab, que, no fundo, cobrem precisamente o rosto. Ora, o receio nestes casos é que a pessoa possa fazer-se passar por alguém que na realidade não é. A única parte visível é um pouco da testa e os olhos", explica.
Ainda assim, considera que a medida é excessiva: "Aqui o receio é, imaginemos, um homem fazer-se passar por uma mulher ou o contrário. Quando nós estamos com o corpo todo coberto, a cara inclusive, e só se vê uma pequena faixa nos olhos, esse é o receio. Em circunstâncias em que eu estou confrontado, até pode ser numa bilheteira, mas estou a pensar, por exemplo, nos aeroportos, em situações em que situações de segurança nacional o imponham, eu sou absolutamente a favor da retirada desses acessórios que muitos consideram de natureza religiosa. Agora, nestes casos, uma proibição liminar em absoluto no espaço público parece-me manifestamente excessivo."