Escolhem o centro de saúde, mas são obrigados a ir procurar ajuda ao hospital
No centro de saúde de Algueirão-Mem Martins, todos os dias repete-se a fila de quem procura uma senha para arranjar uma consulta.
Corpo do artigo
Todos os dias o número de senhas é diferente. Quem chega à porta do centro de saúde de Algueirão-Mem Martins mantém até bem perto das oito da manhã a incógnita: vai ou não conseguir a consulta do dia? É a essa hora que os seguranças abrem a porta e revelam o "número mágico". "Hoje há 40 senhas", explica um dos responsáveis pelo serviço.
As portas abrem às oito em ponto, e a partir daí as cerca de 30 pessoas que esperavam à porta entram a conta-gotas e tiram a senha. Quando acabam, não há outro remédio: ou se volta no dia seguinte, ou se arrisca uma outra solução.
TSF\audio\2023\10\noticias\26\direto_janela
No caso de Maria João Teixeira, não há outra hipótese: ir ao hospital mais perto, o Hospital Fernando da Fonseca, mais conhecido como Hospital Amadora-Sintra. Maria João chegou com o filho, que está adoentado, quando passavam sete minutos das oito. Foi o suficiente para já não conseguir vaga para as consultas do dia. "Hoje foi uma tentativa de sorte. Porque já sabia que à partida não ia conseguir senha a esta hora. Vim para ser visto pelo médico de família, porque é uma pessoa em quem confiamos", afirma.
Esta utente é uma exceção à regra, pelo menos olhando para os dados da sondagem que a TSF revela esta quinta-feira. O barómetro da Aximage, feito para TSF, JN e DN dá conta de que o centro de saúde é a penúltima escolha dos portugueses, na hora de encontrar resposta para um problema de saúde. 19% dos inquiridos dizem que o centro de saúde é a primeira opção, enquanto 29% - o número mais elevado - optam pela linha SNS24. Esta sondagem revela ainda que a urgência de um hospital público aparece em segundo lugar na lista, com 26%.
"Fugir dos hospitais seria o ideal. Vir aqui primeiro ao centro de saúde é a primeira hipótese. Daí termos vindo à procura desta solução. Mas este centro de saúde não é suficiente há muitos anos. Melhorou muito em termos de infraestrutura, mas em termos de recursos humanos continuamos na mesma, ou ainda com menos gente. Não há condições para o número de pessoas que aqui moram. Talvez seja necessário um segundo ou um terceiro centro de saúde", defende a utente.
As respostas que faltam na zona
É na maior freguesia do país que encontramos o maior centro de saúde do país. De acordo com os Censos de 2021, moram nesta freguesia mais de 68 mil pessoas. Os números mais recentes dizem-nos que há aqui cerca de 43 mil utentes inscritos. Mais de metade, cerca de 26 mil utentes, não têm médico de família, o que quer dizer que só cerca de 17 mil utentes têm médico de família. Feitas as contas, podemos concluir que perto de 62% dos utentes inscritos neste centro de saúde não têm médico de família. Esta unidade foi inaugurada em abril de 2021, e representou um investimento de quatro milhões de euros.
Num rápido levantamento por entre os utentes que esperam na fila durante a manhã, percebemos que quem tem médico de família é quase a exceção nesta amostra matinal. A fila é grande, mas não é das piores. "Já cheguei aqui um dia às cinco da manhã e a fila fazia caracol", comenta um utente.
É nesta fila de espera que encontramos Iolanda. Mora aqui bem perto, mas este não é o centro de saúde da sua área de residência. "Fui ao centro de saúde que tenho ao lado da minha casa, Rio de Mouro, e disseram-me que não há médicos. Explicaram-me que o único centro que dava resposta era este. Por isso cá estou para me inscrever", conta. Mas a odisseia tem já mais capítulos marcados para breve. "Depois vou ter que vir para a luta diária de conseguir uma consulta".
Arranjar senha não chega. "Já cheguei a vir aqui bem cedo, consegui a senha, mas a consulta foi só às 17h00. Perdi um dia de trabalho", explica um utente. O conselho surge logo depois da voz de quem está na fila há mais de três horas. "Se quer vir para aqui e quer ter a certeza de que vai ser atendida, o melhor é meter folga ou um dia de férias."