Especialistas querem clarificação da Constituição para permitir quarentenas forçadas
Epidemiologista e médicos de saúde pública temem pela lentidão da justiça portuguesa se alguém recusar uma medida de isolamento ou tratamento compulsivo.
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Um artigo assinado por cinco epidemiologistas e especialistas em saúde pública de várias universidades, entre eles o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, defende que é preciso clarificar a Constituição da República Portuguesa para facilitar a interpretação da lei em casos de quarentena forçada por riscos de contágio em casos de doenças infecciosas. Uma proposta que surge numa altura em que os constitucionalistas consultados pela TSF não se entendem sobre o que permite ou não a lei máxima do ordenamento jurídico nacional.
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O documento publicado esta semana pela revista científica da Ordem dos Médicos fez uma recolha da legislação que existe sobre o assunto e olhou para a Constituição. O artigo tem como título "Da Tuberculose ao COVID-19: Legitimidade Jurídico-Constitucional do Isolamento/Tratamento Compulsivo por Doenças Contagiosas em Portugal".
O texto refere que "em Portugal a morosidade de um processo de decisão judicial (criminal ou civil) pode não permitir a proteção da população face ao risco para a saúde pública consequente de uma recusa de isolamento ou tratamento".
Os especialistas defendem que "os procedimentos que levem a eventuais restrições de direitos, liberdades ou garantias dos cidadãos perante riscos relevantes de saúde pública devem ser previstos e regulamentados na lei, fora e antes de declarações de estado de emergência, permitindo a sua implementação com equidade e transparência, em tempo útil, nos diferentes contextos de modo a simultaneamente assegurar a defesa e a proteção dos direitos à vida, à saúde, à liberdade, autonomia, integridade ou dignidade constitucionalmente protegidos".
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O artigo pede a clarificação, especificamente, do artigo 27 da Constituição que prevê as exceções ao direito a ninguém ser "total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança".
A proposta passa por introduzir neste artigo uma nova alínea onde se inclua nessas exceções os casos de "isolamento/tratamento perante doença contagiosa com risco de fazer perigar a Saúde Pública, proposto ou determinado por Autoridade de Saúde e determinado ou confirmado por autoridade judicial competente".
Recorde-se que o plano nacional de contingência para a COVID-19, divulgado há dois dias pela Direção-Geral da Saúde, prevê que "em situações extremas, de recusa do doente, pode ser necessário determinar o seu isolamento coercivo, sendo para tal mandatório recorrer ao exercício do poder da Autoridade de Saúde".