"Existem irmãos e estamos cá." Centro criado para acolher e refletir sobre fé e comunidade LGBTQIA+
Centro arco-íris criado como espaço seguro e de fala para católicos LGBTQIA+ que participam na Jornada Mundial da Juventude. "Há jovens que sentem este desligar da Igreja ou esta dicotomia entre a sua fé e a sua sexualidade e não faz sentido isto acontecer", aponta à TSF uma das criadoras do espaço.
Corpo do artigo
Lumiar, mais precisamente no Largo das Conchas. É aqui que vai estar durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) o Centro Arco-íris, um espaço seguro para católicos LGBTQIA+ que procurem, não só semelhantes, mas também que desejem aprofundar a reflexão sobre as suas identidades e a fé católica.
A ideia surgiu quando foi feito o anúncio de que Lisboa seria a cidade que iria acolher esta edição da JMJ, mas só ganhou mais forma em fevereiro quando um grupo de católicos, reunido em Praga, no encontro europeu do sínodo dos bispos, decidiu colocar mãos à obra.
Ana Carvalho era uma dessas católicas e sentia, como "todas as pessoas que se foram juntando", que "há jovens que sentem este desligar da Igreja ou esta dicotomia entre a sua fé e a sua sexualidade, não faz sentido isto acontecer".
"Com todas essas vontades, com todas essas inquietações, com todo esse trabalho pastoral que vai sendo feito aqui e ali, acho que faz todo o sentido", diz à TSF notando que o caminho nem sempre foi fácil.
Desde logo, houve uma primeira tentativa de incluir a projeção de um filme na agenda oficial da Jornada, mas tal não foi possível. "A organização da JMJ propôs aos vários grupos que entregassem propostas para esta jornada e, na altura, propusemos, não este centro, mas um filme. Não houve oportunidade de fazer parte do calendário da jornada", realça Ana Carvalho.
Tendo falhado, o grupo não quis correr o risco de que o centro não avançasse e, por isso, nem o chegou a propor à organização para que não fosse rejeitado "por falta de recursos ou por falta do que quer que fosse da parte da organização".
É assim que acaba por nascer este espaço que muito orgulha Ana Carvalho. "O facto de podermos estar aqui abertos acho que é fabuloso. É um confiar de que nos podemos expressar, há esta diversidade na Jornada, este amor na Jornada, este olhar para Cristo na Jornada, Cristo no outro, portanto, podemos estar aqui", afirma com um sorriso nos lábios.
Sabendo que há geografias onde ser uma pessoa LGBTQIA+ é ainda mais difícil do que em Portugal, este espaço visa ser um espaço seguro e de partilha. Ana Carvalho lembra a própria experiência quando há alguns anos teve conhecimento de grupos internacionais de católicos LGBTQIA+: "Perceber as experiências que eles tinham nos seus próprios países, a mim mudou... De facto, impactou o meu estar na igreja, impactou na minha vivência".
"Espero que este espaço, pelo menos a um, possa fazer isso: se estiver nalgum buraco, que o tire cá para fora e veja que existem irmãos e que estamos cá", defende sublinhando que neste espaço existe "arco-íris para todos, cores para todos".
Conversas e reflexões na agenda
Abrindo no primeiro dia de agosto, este centro vai proporcionar a quem lá passa várias experiências de reflexão. Desde logo, o filme "Wonderfully made" vai ser projetado e, no final, haverá um espaço de conversa com o realizador e o produtor executivo.
FSlcubwWJeQ
Diz o centro que este documentário "explora os desafios e as aspirações dos católicos LGBTQ+", sendo "o primeiro filme de uma série documental planeada, LGBTQ+R(eligion), e que se centra noutras tradições religiosas e nas identidades LGBTQ+".
Além do filme, há divulgação de livros sobre a temática, também uma exposição que visa identificar vários grupos de católicos e aliados LGBTQIA+ e, claro, conversas "que façam abrir horizontes e também dar lugar de fala".
Entre elas, Ana Carvalho destaca a presença do Padre James Alison, assumidamente gay. "É um dominicano que, entretanto, teve ali uma situação quando estava no Brasil em que deixou de poder celebrar publicamente, mas, de há uns anos para cá, o Papa ligou-lhe e disse que lhe restituia o poder das chaves", conta.
De acordo com a revista brasileira Veja, "Alison morou dez anos no Brasil e foi processado pela Arquidiocese de São Paulo por tentar criar a primeira pastoral LGBT".
Na própria página do padre na internet, lê-se que "também é conhecido pela sua insistência, firme, mas paciente, na veracidade em matéria gay como sendo uma parte ordinária do cristianismo básico e por suas vivências pastorais no mesmo campo".
Também um outro padre aliado da comunidade, James Martin, vai estar presente na Jornada e existe a expectativa por parte deste centro em que ele consiga um espaço na agenda para se dirigir aos jovens no Lumiar.
As atividades deste espaço podem ser consultadas através da página de Instagram, mas Ana Carvalho também faz questão de destacar a celebração da eucaristia pelo padre James Alison, na quinta-feira, no Convento de São Domingos.
De resto, seria importante a presença de mais membros da igreja nesta missa, até pelo sinal de abertura que demonstraria. "Convido qualquer sacerdote que se queira juntar, nem lhe sei dizer, ficaria muito contente com qualquer sacerdote que se juntasse a nós nesta celebração", conclui Ana Carvalho que continua a trabalhar para abrir este centro já no dia 1 de agosto com todas as cores do arco-íris e todas as letras do alfabeto.