Em pouco mais de um mês, 85 famílias mostraram-se disponíveis para receber uma criança, no âmbito do programa de acolhimento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Até agora, existiam 90 famílias numa "bolsa activa" na área da grande Lisboa.
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Foi uma campanha da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que serviu de clique a Catarina Martins. A bancária, hoje com 49 anos, leu a frase "Acolher uma criança é devolver-lhe a infância" e teve logo "um flash. Acho que nós podemos fazer isto". Com dois filhos adolescentes e dois cães, num apartamento em Lisboa, Catarina teve reacções diferentes quando informou os filhos da decisão de ser família de acolhimento: positiva de um, mais reticente de outro. Depois de frequentar acções de esclarecimento e formação, Catarina esperou cerca de um ano até receber o desejado telefonema da Santa Casa. "Havia uma criança que estava a precisar de acolhimento". O menino de três anos e meio tinha passado brevemente por uma instituição, mas está agora aos cuidados da família de acolhimento.
"O maior desafio foi saber gerir a fase inicial das birras", recorda Catarina. Eram "birras acesas de um patamar que eu desconhecia" e por ser um menino que tinha estado em risco, "há ainda mais cuidado do que se fossem nossos". Como todos os pais, Catarina questionou-se algumas vezes "para que é que foi isto? Estávamos tão bem, todos tão tranquilos, mas claro, depois, logo a seguir, passa".
Um ano depois, "está tudo diferente. Neste momento, não sinto que esteja a lidar com uma criança que veio de fora", mas é como "um terceiro filho que apareceu com mais pêlo na venta". O menino, actualmente com quatro anos e meio, "muito rapidamente, passou a tratar-me por mãe", tratamento que foi aprovado pela equipa da SCML. "Não é mãe biológica, não é mãe adoptiva, mas é mãe de acolhimento , porque está a exercer essa função. Faz sentido e vamos assumir isso (...) Neste momento, em tudo, é mais um filho".
Pelas contas da SCML, existe uma bolsa activa de 90 famílias de acolhimento.
Desde o lançamento da campanha mais recente, em meados de Janeiro, 85 famílias manifestaram interesse em acolher uma criança em risco, mas todo o processo demora algum tempo e por isso, não existem ainda dados de quantos formalizaram a candidatura. Só na região de Lisboa, estão sinalizadas mais de mil crianças que poderiam ser acolhidas numa família, em vez de estarem a cargo de uma instituição. Catarina Martins destaca precisamente esta questão: "a alternativa não é continuar com os pais. É estar numa casa de acolhimento, onde por muito bem tratados que sejam (...), não são família. São funcionários e portanto, hoje estão; amanhã está outro. E não é um miúdo para ir tomar ou jantar, são dez ou coisa do género. Não é a mesma coisa que uma família." Daí o apelo de Catarina: "as famílias que sintam o mínimo de bichinho em ser família de acolhimento, acho que devem ter isso em mente e não ter medo".
Uma família de acolhimento recebe em casa, de forma temporária, uma criança que não tem condições para ficar com a família biológica. Desde 2019, foram acolhidas 151 crianças, no âmbito deste programa da SCML. A maioria eram meninos entre os dois e seis anos. Grande parte das famílias de acolhimento concentra-se em Lisboa, Sintra, Oeiras e Loures. Destas 151 crianças, 75 cessaram a medida de acolhimento, com um tempo médio de 11 meses. Mais de 40 foram adoptadas, 26 foram reintegradas na família de origem e quatro seguiram para apadrinhamento civil.
O "momento do luto", ou seja, da separação da família de acolhimento, é inesperado para Catarina. Racionalmente, "tento não pensar muito nisso, porque não sei quando vai acontecer", mas há dias em que pensa "deixem-no ficar até ser crescido. Ele continua a ver os pais, de vez em quando. Está toda a gente confortável. Deixem-no estar e lidamos todos com isto. (A despedida) vai ser difícil para todos (...), mas faz-nos crescer", afirma a mãe de acolhimento que gostava de "continuar a fazer parte da vida dele e ele da nossa". Como realça a mensagem da SCML, "só uma família de acolhimento pode dar a infância/carinho/amor/mimo/segurança/protecção que lhe(s) está a faltar".
A autora não segue as regras do novo acordo ortográfico