"Famílias em dificuldade." Comércio diz não "ser fácil" repercutir aumentos nos consumidores
A União de Associações de Comércio e Serviços garante que o setor já começa a sentir "nalguns produtos" que compra que os fornecedores "já estão a aumentar os preços, não só nas coisas normais com água e eletricidade, mas principalmente os produtos".
Corpo do artigo
O comércio já está a sentir o impacto do aumento dos preços, mas a presidente da direção da União de Associações de Comércio e Serviços (UACS) considera que "não vai ser fácil" repercutir junto dos consumidores.
Em entrevista à Lusa, Carla Salsinha salienta que o setor já começa a sentir "nalguns produtos" que compra que os fornecedores "já estão a aumentar os preços, não só nas coisas normais com água e eletricidade, mas principalmente os produtos".
Aliás, os próprios fornecedores "já começam a dizer aos nossos empresários que os preços vão ter que aumentar fruto também de eles terem os custos mais elevados e isso vai repercutir na dificuldade, porque eu acho que, nesta fase, a nossa possibilidade de fazer esse reporte do aumento de preços dos consumidores não vai ser fácil", disse a presidente da UACS, que cumpre neste sábado um mês da tomada de posse.
"As famílias hoje estão numa fase com alguma dificuldade e, portanto, temos que ter aqui algum cuidado nesse aumento dos custos, dos preços dos nossos fornecedores", mas esse "é o impacto que vamos ter", acrescenta, apontando que, além disso, há ainda o constrangimento no prazo de entrega dos produtos.
"Não só os custos de transporte aumentaram brutalmente como algo que anteriormente nos chegava em cinco, seis dias, hoje temos que dar aqui uma margem de 10, 12 dias para chegar", salienta.
Questionada sobre o que é que o setor aprendeu com a pandemia, Carla Salsinha aponta: "Acho que é aprender a gerir o negócio à semana."
Se antes da pandemia, no caso do setor do calçado ou vestuário, as compras eram feitas com sete, oito meses de antecedência, "a pandemia levou-nos a ter que focar-nos no negócio", diz.
Primeiro, foi tentar modernizar e acompanhar as novas tendências, "à sua limitação e à sua escala, todos nós tentámos ter ou no Facebook ou no Instagram qualquer coisa a divulgar a loja", contou Carla Salsinha.
"Percebemos que, de facto, as redes sociais, por muito que tenham um lado negativo, têm um lado importantíssimo, mesmo que eu não tenha" lojas na Internet, "porque muitas das lojas não podem ter a capacidade de vender 'online' porque tem a ver com o 'stock'", relata.
Por exemplo, "há lojas de bairro que não têm essa intenção de ter uma loja 'online' porque depois não têm a capacidade de 'stock', de reposição, mas as redes sociais são um dos fenómenos fundamentais para nós fazermos chegar a nossa empresa a todo o sítio", sublinha a responsável.
Mas, "a maior lição" retirada da pandemia "foi sem dúvida aprendermos a gerir o nosso negócio à semana porque foi esse um dos maiores desafios", sintetiza.
A UACS defende a criação de uma estratégia nacional para o setor do comércio, algo que lamenta que ainda não tenha sido feito, mas considera que ainda se vai a tempo.
"Lisboa, felizmente, não sofre tanto assim", comparativamente a outras zonas do país, "onde os centros da cidade estão completamente mortos em termos de comércio porque o que se fez foi" colocar "as grandes superfícies à entrada e, portanto", as pessoas deixaram de ir às compras no centro, salienta.
Por exemplo, a cadeia de vestuário Zara, apontou, quando quis abrir no centro de Londres não obteve autorização e "teve que abrir na periferia na altura".
Tudo isto, sublinha, "tem a ver com uma estratégia, ou seja, em que há uma definição do que é que se quer para a cidade, o que é que se quer para cada bairro e tentar fazer com estudos" e conseguir "conciliar vários formatos de comércio", mas "nada disso foi feito no país", critica.
Carla Salsinha refere que atualmente não há dados sobre o comércio do país, não se sabe quantas ourivesarias, quantas sapatarias, por exemplo, existem em Portugal, o que resulta, na sua opinião, de não haver um pensamento estratégico para ao setor.
Questionada sobre se ainda se vai a tempo de avançar com uma estratégia, a responsável admitiu que sim.
"Acho que em termos da cidade (...) vamos a tempo, a nível nacional já há zonas" onde "é preciso uma intervenção muito grande", sublinha.
"Há zonas em que grande parte do comércio se perdeu e agora voltar a requalificá-lo" será mais difícil, adverte.
No entanto, "acredito que se houver uma aposta clara naquilo que se pretende para o comércio da cidade e pensar no comércio não como as lojas" que abrem e depois fecham, mas "como uma das áreas que mais contribui para o emprego nas cidades", é possível.
"Somos o setor que mais empregamos na cidade e, portanto, contribuímos fortemente para o PIB [riqueza gerada] da cidade", acentua a presidente da direção da UACS.
"E, se pensar estrategicamente, extrapolando isso da cidade para o país, é exatamente a mesma coisa, nós somos um dos setores do comércio e serviços que mais emprega a nível nacional. Se se pensar nisto numa forma de tentar requalificar as cidades e os espaços de comércio, identificar e fazer com uma estratégia, eu acho que ainda estamos a tempo", reforça.
"É difícil, mas eu acho que estamos sempre a tempo", conclui Carla Salsinha.