PS apregoou na campanha eleitoral, mas a criação de círculos uninominais para a eleição à Assembleia da República não consta do Programa de Governo. À parte disso, documento de quase 200 páginas é praticamente fotocópia do programa eleitoral do PS.
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Melhorar, aumentar, integrar, promover, aplicar, modernizar... É com estes (e muitos outros) verbos que se escrevem as 190 páginas do Programa de Governo enviado à Assembleia da República e que não tem grandes diferenças daquilo que foi o programa eleitoral socialista.
As novidades foram antecipadas pelo próprio primeiro-ministro no discurso de tomada de posse : o aumento do salário mínimo para os 750 euros até ao final da legislatura e o encerramento antecipado das centrais termoelétricas do Pego (em 2021) e de Sines (em 2023).
O destaque vai, portanto, para o facto de o Executivo ter deixado cair a reforma do sistema eleitoral, piscando o olho aos partidos à esquerda. No programa para as legislativas, o PS queria introduzir círculos uninominais, "sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo". Ora, no documento agora publicado, esta bandeira saiu de cena.
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Notando que os próximos quatro anos são "um ciclo de consolidação da recuperação económica", o Programa de Governo divide-se em quatro eixos estratégicos que pretendem "combater as alterações climáticas, responder ao desafio demográfico, construir a sociedade digital e reduzir as desigualdades".
O Governo liderado por António Costa esclarece que só será possível dar resposta a estes desafios com as "contas certas", com uma melhoria na "qualidade da democracia", com investimento na qualidade dos serviços públicos e ainda com uma valorização das funções de soberania.
No capítulo das contas certas, os objetivos são aqueles que os socialistas vinham a apregoar desde a campanha eleitoral e que até merecem sublinhado no documento: dívida pública a descer para próximo dos 100% do PIB até 2023 e saldo primário perto dos 3% do PIB.
No investimento público, o Governo pretende gastar uma verba superior a 10 mil milhões de euros com prioridade para a ferrovia, expansão do metro de Lisboa e Porto, bem como do sistema de mobilidade ligeira do Mondego, material circulante para metros, comboios e também Transtejo, renovação de estradas e ainda a construção de novos hospitais e recuperação de unidades hospitalares, sem detalhar, no entanto, quais.
E é nos detalhes (ou falta deles) que está também um dos pontos-chave deste Programa de Governo: a ausência de metas específicas em muitos casos vai permitir ao Executivo alguma flexibilidade para negociar e procurar entendimentos com os partidos à esquerda.
Revisão da matéria
As bandeiras são muitas e foram sendo todas erguidas ao longo da campanha eleitoral, mas agora voltam à tona com o Programa de Governo que vai ser discutido nos dias 30 e 31 deste mês na Assembleia da República.
No que diz respeito ao SNS, o Governo reconhece que esta é "uma fase de maior pressão", ficando desde logo clara a questão das parcerias público-privadas (PPP) que tanto debate gerou aquando da lei de bases da saúde: "assume-se o compromisso de não fazer nenhuma nova PPP na gestão clínica num estabelecimento em que ela não exista".
Já nas questões demográficas, a natalidade ganha destaque com o Governo a vincar no documento que vai ser discutido na AR o aumento das deduções fiscais no IRS em função do número de filhos, sem diferenciar os filhos em função do rendimento dos pais. Também para incentivar os portugueses a terem mais do que um filho, o Programa estabelece a criação de um "complemento-creche", atribuindo a todos aqueles que tenham filhos nas creches "um valor garantido e universal que apoie a comparticipação das famílias no preço da creche a partir do segundo filho". Valores? Esses ficam incógnitos.
No capítulo do combate às desigualdades, foco para a possibilidade de penalizar fiscalmente as empresas que tenham "leques salariais excessivamente desiguais" e valorizar as que lutem contra a desigualdade salarial.
Também o combate à pobreza energética é elencado no Programa com o alargamento da tarifa social "ao gás de cidade e ao GPL engarrafado ou canalizado", sendo ainda revisto o modelo de fixação e aplicação da tarifa social da água "para que mais pessoas possam, de forma automática, aproveitar este benefício".
Nas desigualdades territoriais, é dada prioridade aos territórios mais vulneráveis, "que devem beneficiar de um estatuto especial", e daí advém a necessidade de "reforçar o diferencial de incentivos para investimentos direcionados para as regiões de baixa densidade, aprofundando os mecanismos de majoração de apoios nas políticas de estímulo ao investimento e nas políticas ativas de emprego".
Com a transição digital que agora até ganhou um ministério, o Governo propõe metas claras para uma economia mais digital: "alcançar um volume de exportações equivalente a 50% do PIB na primeira metade da próxima década e atingir um investimento global em I&D de 3% do PIB em 2030".
E, por falar em inovação, o Executivo propõe-se a "melhorar o regime do IRC para as empresas que reinvistam os seus lucros através de um aumento em 20% do limite máximo de lucros que podem ser objeto de reinvestimento (de 10M€ para 12M€), assim aumentando a dedução à coleta de IRC para estas empresas".
No capítulo da ciência, o objetivo é de que, até 2030, oinvestimento aumente até atingir 3% do PIB. Já na cultura, o Governo pretende aumentar de forma progressiva a despesa até ao fim da legislatura: "atingir 2% da despesa discricionária prevista no Orçamento do Estado".