"Governo demonstra, uma vez mais, que não convive bem com independência dos tribunais"
À TSF, Paula Teixeira da Cruz, antiga ministra da Justiça, defende que "não é possível exigir aos tribunais que antecipem uma decisão", até porque, se o fizessem, teriam como base "uma lei que ainda não entrou em vigor".
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A antiga ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz considera que o Governo deu esta quinta-feira mais um sinal de que não "convive bem com a independência dos tribunais", após o Executivo ter ordenado a aceleração da aplicação da lei da amnistia.
"É uma intolerável intromissão na independência do poder judicial. Infelizmente, não é a primeira vez que os governos do Partido Socialista [PS] nos habituaram a uma tentativa de condicionamento e manipulação do poder judicial. Felizmente, vivemos num país que tem um poder judicial forte. Mas, de facto, essa atuação demonstra, uma vez mais, que o PS e o Governo que o PS suporta, não vivem nem convivem bem com a liberdade do judiciário", defende, em declarações à TSF.
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Em causa está a amnistia que foi decretada pela visita do papa Francisco e que começa a valer a partir desta sexta-feira para os crimes com pena inferior a um ano de prisão ou 120 dias de multa. É também perdoado um ano de prisão a todas as penas até oito anos. A Direção-Geral da Administração da Justiça ordenou que os mandados de libertação sejam emitidos e enviados às cadeias até esta quinta-feira. No entanto, os juízes consideram que estas são ordens ilegais, que interferem na autonomia do poder judicial. Os processos só serão reabertos antes de 1 de setembro se os juízes assim o entenderem.
A antiga governante salienta que os juízes podem estar perante várias situações, que têm de ser "analisadas" e, "como é óbvio, não é possível exigir aos tribunais que antecipem uma decisão", até porque, se o fizessem, teriam como base uma lei que ainda não está em vigor.
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"Um juiz que fizesse um despacho a exarar um mandato de libertação de alguém em função da lei da amnistia hoje, estaria a exarar um despacho que sofreria desde logo de incompetência em razão do tempo, porque se estava a suportar para exarar esse despacho, essa determinação, numa lei que ainda não entrou em vigor. Isso suscita, para além da questão de princípio, várias questões em concreto e em termos de execução muito complexas", alerta.
Paula Teixeira da Cruz explica ainda que a "Direção-Geral da Administração da Justiça [DGAJ] responde diretamente à ministra da Justiça", pelo que a ordem foi emitida pelo "gabinete ministerial" ou "quem subscreveu o ofício atuou por vontade" própria, uma questão que a antiga ministra diz ter de ser "clarificada".
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"A DGAJ é um suporte administrativo e logístico, e de alguma forma, orçamental ainda. Portanto, a DGAJ não pode dar indicações aos tribunais em matérias que estão incluídas naquilo que é o núcleo de competências do poder judicial. Não é uma direção-geral dependente do Governo que tem de dizer como e quando é que os tribunais decidem e em que termos", defende.
A decisão foi anunciada pouco depois de os funcionários judiciais terem marcado dois dias de greve: o primeiro já esta sexta-feira e o outro na segunda-feira, os primeiros dias do novo ano judicial.
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Sobre isto, a ex-ministra da Justiça afirma que a decisão de acelerar a aplicação da lei da amnistia seria "uma dupla violação constitucional", porque - "para além de configurar àquilo que é a independência do poder judicial" - "tratar-se-ia e lesar o direito à greve e de impedir, indiretamente, o direito à greve".
"O que me parece - mas aí não tenho nada que o documente - seria uma questão de independência relativamente ao funcionamento dos estabelecimentos prisionais e dos centros de institucionalização de jovens. Nessa medida, eu penso que todas essas responsabilidades devem ser devidamente apuradas", considera.